Pesquisador analisou exames de 1998 a 2008 e concluiu que teste é displicente com fontes e não exige pensamento crítico
O Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) avalia mais a capacidade de leitura de gráficos do que a de análise. A conclusão é do pesquisador Edson Roberto de Souza, mestre em Ensino e História de Ciências, que estudou as questões com gráficos que trataram de aquecimento global entre 1998 e 2008 e percebeu displicência no tratamento de dados e que as respostas corretas podem ser obtidas apenas com a leitura de tabelas.
Foto: Reprodução
Questão de 2005 cita fonte sem data ou edição
Em cada ano da década analisada, o Enem trouxe entre seis e 13 questões com gráficos. Para a tese de mestrado, Souza analisou detalhadamente o conteúdo das quatro questões que tratavam de aquecimento global com tabelas, de 2002, 2005, 2006 e 2007. Nenhuma delas permitia que os candidatos usassem conhecimentos prévios para analisar as alternativas.
“A concepção de leitor de ciências subentendida nas questões se limita a um sujeito que deve ser capaz de retirar informações diretas de um gráfico para solucionar um problema proposto cuja resposta é fechada”, afirma.
Outro problema é que as referências às fontes de informações dos gráficos contêm erros. Como a maior parte é “adaptada” de artigo impresso, o pesquisador foi buscar o original e encontrou problemas que chamou de “displicência”.
Segundo o pesquisador, a questão 48 do exame de 2002 diz que o gráfico de barras havia sido retirado da revista Veja com adaptações, mas o original era um mapa. “O texto da revista não apresentava gráfico e sim outra forma de representação de dados apresentados em continentes planificados”, explica Souza, que foi buscar o original.
Em 2005, a questão 40 cita a revista Gás World International como sendo a detentora dos dados utilizados na construção do gráfico de barras, porém não cita nem o número, nem o ano do periódico, o que inviabilizou a pesquisa. No ano seguinte, a pergunta 29 cita erroneamente a data do jornal O Estado de São Paulo, de onde os dados foram extraídos. “Além disso, deveria ter sido citado o Inep (Instituto Nacional de Estudos e Educacionais), que é a fonte original.
“ Estas displicências e a não necessidade de dados precisos podem demonstrar falta de interesse em se discutir com profundidade os conteúdos"
“Estas displicências e a não necessidade de dados precisos para se resolver os problemas propostos podem demonstrar falta de interesse em se discutir com profundidade os conteúdos exibidos pelas questões, mas apenas certa preocupação com leitura dos gráficos”, analisa o pesquisador.
Para ele, faz parte do ensino de ciências a preocupação com fontes confiáveis e as apresentadas poderiam ser questionadas pelos alunos. “A legitimidade dos dados contidos nos gráficos é de extrema importância. Fica claro que as situações descritas no enunciado limitaram-se a construir uma ideia que possibilitasse a avaliação das habilidades de leitura e interpretação dos dados”, diz ele, criticando ainda o formato de alternativas, que não dá espaço para que os candidatos façam essa reflexão.
Na opinião do pesquisador, além do problema do exame não levar em conta possíveis habilidades científicas que o estudante possa ter adquirido, a limitação do exame reflete o ensino e vice-versa. “Seria de fundamental importância uma reforma curricular que propusesse a introdução desses conteúdos para tornar essas discussões mais ricas, tornando assim o aprendizado de ciências mais interessante e mais significativo.”
Os exames analisados foram feitos por diferentes governos e empresas de aplicação de concurso.
Questão de 2002 dizia ser adaptada, mas original não era gráfico - Foto: Reprodução1/4
Fonte: Cinthia Rodrigues, iG
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