Da Coluna Menu Político, no O POVO deste
domingo (2), pelo jornalista Plínio Bortolotti:
Certa
vez, conversando com um grande empresário cearense do ramo de alimentos, ouvi
dele uma história exemplar. Quando começou a mandar seus produtos para o sul,
ele retirou da embalagem qualquer marca que pudesse identificar a fabricação
nordestina, inclusive omitindo o endereço completo da empresa. Como na época
era permitido, ele omitia os dados completos da localização da fábrica,
anotando o seguinte endereço na embalagem: “BR 116, km tal”, sem enunciar o
nome da cidade.
Como
poucos sabem o modo como uma rodovia é demarcada, ficava mascarado o exato
local da sede da empresa. Foi a forma encontrada para driblar o preconceito
contra produtos fabricados no Nordeste. O mais irônico, contou, acontecia em
recepções das quais participava: era comum ouvir elogios de “madames” ao
produto, considerando-o “delicioso”, em comparação com a “má qualidade” do que
era fabricado no Ceará. O empresário, silenciosamente, divertia-se: “Mal sabiam
elas que comiam o que era feito aqui bem pertinho”.
Lembrei
da história devido à onda de preconceito que assomou com mais vigor depois da
reeleição de Dilma Rousseff (PT) à presidência. “Burro” foi a mais gentil
ofensa com a qual os nordestinos foram brindados – a escala passava por
xingamentos diversos, chegando ao ponto de preconizar um holocausto contra a
“raça”. Observem: há uma cerca simbólica (se pudessem muitos a fariam real) de
Minas Gerais para cima em que tudo se torna indistinto e abominável. Para esse
tipo de gente todos os nordestinos são “burros”; vagabundos, que preferem uma
rede ao trabalho; e vivem dolentemente às expensas da riqueza gerada por São
Paulo: “Non ducor duco” (não sou conduzido, conduzo) está inscrito brasão da
capital paulista.
São
Paulo é apenas, digamos assim, um símbolo, dessa má ideia, que encontra adeptos
nos demais estados do Sul e Sudeste. Não é por acaso que todo migrante
nordestino, chegando a São Paulo, não importa a origem, vira imediatamente
“Ceará”; se cair no Rio de Janeiro, é “Paraíba”.
Desditosamente,
como podemos observar pela história do empresário, esse preconceito encontra
guarida entre os próprios nordestinos, não sei se campeia entre as outras
classes, ou apenas entre a “elite”. Assim, o preconceito tem uma espécie de
efeito dominó: o Sul/Sudeste tem preconceito contra os nordestinos de modo
geral e, estes (normalmente os privilegiados) têm seus próprios “nordestinos”:
os pobres, aqueles que vivem nos interiores, no “sertão”.
O
que é, senão isso, o ódio contra o Bolsa Família, que desaguou em uma “leva de
preguiçosas” que não aceita mais trabalhar na casa da madame a troco de um
quartinho insalubre e um salário miserável? O que é senão a revolta do
sinhozinho contra o trabalhador rural que não se deixa mais escravizar? O que é
isso senão a ironia contra o pedreiro que fica “botando banca”, sem aceitar uma
diária que mal dá para pagar a quentinha e a passagem do ônibus?
Meus
irmãozinhos, leiam o editorial do jornal O Globo (28/10/2014), e ponham a mão
na consciência.
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