O Brasil é hoje o País em que
se estima uma perda de até 2,3% do PIB com a corrupção; em que bilhões de reais
são desviados, anualmente, somente em licitações irregulares; em que as verbas
destinadas à saúde e educação são os principais alvos dos corruptos. O Brasil é o País em que,
conforme uma fiscalização realizada no ano de 2013 pela antiga Controladoria-Geral
da União (CGU), 95% das prefeituras analisadas apresentavam problemas com a
destinação do dinheiro do erário, ainda nos processos licitatórios.
No Ceará, uma Delegacia da
Polícia Federal que apura especificamente casos de corrupção começou a
funcionar, em abril deste ano, e já tem 816 inquéritos. Transações feitas em 98 Municípios (mais da
metade do Estado) estão sendo investigadas pela PF, sob suspeita de desvio de
dinheiro público. Alguns esquemas identificados, inclusive parecem com os
apurados pela "Operação Lava Jato". O Diário do Nordeste publicará
durante três dias, a série 'Caminhos da
Corrupção', sobre vertentes dos "crimes de colarinho branco".
De acordo com o delegado
Janderlyer Gomes de Lima, titular da nova Delegacia de Combate à Corrupção
(Delecor), em 2017, deverão ocorrer várias operações nas prefeituras cearenses.
O intuito da criação da Instituição (inaugurada nas 27 Superintendências da PF)
é saber qual destinação tomou o dinheiro desviado; é efetivamente achar os
recursos subtraídos. Segundo Lima, bilhões de reais desviados de municípios do
Ceará estão sendo rastreados e parte deste dinheiro já foi até enviada para
fora do Brasil.
Os principais convênios
fraudados no Estado, conforme o delegado, continuam sendo os da Saúde e
Educação. “Estes convênios são os que movimentam mais dinheiro e são também os
principais alvos dos corruptos”. Há uma orientação institucional para que o
combate à corrupção seja uma prioridade da PF. Tínhamos a Delegacia de Repreensão
de Crimes Financeiros (Delefin), que se transformou na
Delecor. Essa nova roupagem tem o dobro
de delegados no Ceará. Somos agora 10 delegados para investigar esquemas de
corrupção. “Em 2017, nossas investigações deverão dar frutos e esperamos ter
operações em diversas cidades”, afirmou.
Diversidade
Janderlyer Lima explicou que os
esquemas para o desvio do dinheiro são diversos e que nas apurações de alguns
casos cearenses, a PF se deparou com os mesmos métodos observados na
"Operação Lava Jato". "Tem todo tipo de fraude, mas elas estão
evoluindo. Antes, a montagem da licitação só vinha depois e a fraude ficava
aparente. Agora não é mais assim. Há grupos empresariais estruturados, que atuam
há muito tempo com especialização em fraudar licitações e fazer com que o
dinheiro tome caminhos cada vez mais difíceis de serem seguidos".
O delegado Regional de Combate
ao Crime Organizado (DRCOR), Wellington Santiago, disse que existem estruturas
empresariais ligadas a grupos políticos e, muitas vezes, os vínculos entre eles
se dão antes da eleição. "São vínculos que começam nos financiamentos
de campanha e os grupos vão se formando, se estabelecendo. Se transformam em
empreendimentos político-empresariais, que muitas vezes atuam para se apoderar
do dinheiro público. Quando os casos chegam à Polícia, em geral, nos deparamos
com esquemas muito robustos", declarou.
Janderlyer de Lima explica que
as empresas 'fantasmas' não são mais a principal opção para burlar
investigações. "Há grupos empresariais que têm uma parte lícita e outra
ilícita. Grupos que estão há tempos no mercado. São empresas com estrutura para
prestar um serviço e, às vezes, prestam, porque o caminho para o desvio são é
só fraudar a licitação ou deixar de prestar o serviço. Exemplo disso é o
esquema que a 'Lava Jato' investiga".
Segundo o delegado, locadoras
de veículos, construtoras, produtoras de grandes eventos, distribuidoras de
medicamentos e de gêneros alimentícios e empresas de consultorias são exemplo
de negócios que estão sendo investigados pela PF, no Ceará.
Algumas operações anteriores,
como a "Gárgula' e a 'Cactus", deflagradas
em 2009 e 2013, respectivamente, foram retomadas pela Delecor. As duas elucidaram esquemas com
braços em vários Municípios. "Retomamos e queremos saber se os grupos que
operavam os esquemas continuam atuando. Desta vez, teremos mais ferramentas
para rastrear possíveis desvios de recursos", disse Janderlyer.
Além destes casos antigos,
outros surgiram e já são alvo de apurações. A "Operação KM Livre",
por exemplo, foi a primeira nascida na Célula da PF a ser deflagrada,
no Estado. Ela apura um suposto esquema de locações de veículos na Prefeitura
de Fortaleza, que teria o envolvimento de um deputado federal. A ação tramita
no Supremo Tribunal Federal (STF), por conta do parlamentar.
Controle e punição
Segundo o delegado Wellington
Santiago, os mecanismos de controle do Estado sobre o dinheiro público estão
sendo aprimorados. "É um ponto positivo que este controle esteja se
tornando cada vez mais efetivo, porque quando o caso chega à Polícia o crime já
aconteceu, o dinheiro já foi subtraído. Quando tomamos ciência dos desvios
precisamos ir apagando os incêndios".
Para Santiago, há uma
predisposição da sociedade a querer mitigar a punição dos crimes de 'colarinho
branco'. "Geralmente, são aplicadas penas administrativas e pecuniárias,
ao invés da prisão. Porém, as coisas estão mudando. Temos visto políticos e
empresários de renome presos". O delegado titular da DRCor diz que a
população precisa ficar atenta. "A maioria das pessoas não se sente
diretamente atingida com a corrupção, como acontece nos crimes violentos.
Muitas vezes a corrupção passa despercebida", considerou.
Com Diário do Nordeste
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