A despeito da discussão
legislativa, ora em andamento no Congresso Nacional, para se tipificar
expressamente o assédio moral como ato de improbidade administrativa (Projeto
de Lei 8178/14 do Senado Federal e, por ora, em tramitação na Câmara dos
Deputados), o Superior Tribunal de Justiça, por intermédio da 2ª Turma, já
reconheceu a possibilidade de ato de improbidade administrativa em razão da
prática de assédio moral.
No julgamento do Recurso
Especial 1.286.466/RS, o colegiado entendeu que:
ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL
PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ASSÉDIO MORAL. VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. ART. 11 DA LEI 8.429⁄1992. ENQUADRAMENTO. CONDUTA QUE
EXTRAPOLA MERA IRREGULARIDADE. ELEMENTO SUBJETIVO. DOLO GENÉRICO.
1. O ilícito previsto no art.
11 da Lei 8.249⁄1992 dispensa a prova de dano, segundo a jurisprudência do STJ.
2. Não se enquadra como ofensa
aos princípios da administração pública (art. 11 da LIA) a mera irregularidade,
não revestida do elemento subjetivo convincente (dolo genérico).
3. O assédio moral, mais do que
provocações no local de trabalho — sarcasmo, crítica, zombaria e trote —, é
campanha de terror psicológico pela rejeição.
4. A prática de assédio moral
enquadra-se na conduta prevista no art. 11, caput, da Lei de Improbidade
Administrativa, em razão do evidente abuso de poder, desvio de finalidade e
malferimento à impessoalidade, ao agir deliberadamente em prejuízo de alguém.
5. A Lei 8.429/1992 objetiva
coibir, punir e⁄ou afastar da atividade pública os agentes que demonstrem
caráter incompatível com a natureza da atividade desenvolvida.
6. Esse tipo de ato, para
configurar-se como ato de improbidade exige a demonstração do elemento
subjetivo, a título de dolo lato sensu ou genérico, presente na hipótese.
7. Recurso especial provido.
Para a correta aplicação das
reprimendas do artigo 12 da Lei 8.429/92 às hipóteses de improbidade
administrativa decorrente de assédio moral, faz-se necessário uma análise mais
acurada do caso acima referido.
Com efeito, o suporte fático
que amparou a decisão do Superior Tribunal de Justiça foi o seguinte: "O
réu se valendo da função de Prefeito Municipal, para vingar-se da funcionária
pública municipal Célis Terezinha Bitencourt Madrid, obrigou-a a permanecer 'de
castigo' na sala de reuniões da Prefeitura nos dias 19, 20, 21 e 22 de junho de
2001. O Ministério Público relatou, ainda, ter o réu sido movido por sentimento
de vingança, vez que referida servidora teria levado ao conhecimento do
Ministério Público a existência de dívida do Município com o Fundo de
Aposentadoria dos Servidores Públicos. Referiu, ademais, ter o réu ameaçado
colocar a servidora em disponibilidade, bem como ter-lhe concedido, sem
solicitação, férias de 30 dias".
Tais fatos restaram incontroversos,
vez que reconhecidos pelo próprio réu no curso do feito.
Nesse palmar, resta patente que
o assédio moral no âmbito da administração pública configura desrespeito ao
princípio da impessoalidade e, desse modo, pode configurar ato de improbidade
administrativa.
Entretanto, se é certo que a
prática de assédio moral configura ato de improbidade administrativa, também é
certo que nem todo desentendimento no ambiente de trabalho configura assédio
moral.
Como observa o desembargador
Leonel Pires Ohlweiler, em O Assédio Moral na Administração Pública, Dignidade
Humana e Improbidade Administrativa:
Muito embora não exista
unanimidade entre os autores quanto aos requisitos necessários para configurar
o assédio moral, destacam-se via de regra (a) o conflito deve desenvolver-se no
ambiente de trabalho; (b) a ação ofensiva ocorre durante algum período de
tempo, alguns meses; (c) desnível entre os antagonistas, encontrando-se a
vítima em uma posição constante de inferioridade; (d) intenção de perseguição
em relação à vítima do assédio moral.
Adiante, ele insiste:
No entanto, nem toda violação
da dignidade do servidor público importa prática do assédio moral. Em nome da
dignidade humana não se pode admitir uma espécie de álibi hermenêutico, como
refere Lenio Luiz Streck, para compreender qualquer violação como prática de
assédio moral: a partir de sua própria institucionalização surgem indicações de
sentido, mas que atribuem importância ao tempo, ou seja, a repetição, o
conjunto de atos reiterados por parte da Administração Pública, atos capazes de
causar degradação, desrespeito, humilhação, etc. São elementos importantes para
indicar a prática do assédio moral.
Na mesma esteira, adverte Rudi
Cassel que "é importante afastar as meras desavenças, discussões não
programadas e desentendimentos simples do instituto ora abordado, evitando que
se comprometa a detecção do fato juridicamente relevante".
No próprio caso em que o
Superior Tribunal de Justiça reconheceu a prática de improbidade administrativa
em decorrência de assédio moral, a relatora, ministra Eliana Calmon, pontuou
que "o assédio moral, mais do que apenas provocações no local de trabalho
— sarcasmo, crítica, zombaria e trote —, é uma campanha de terror psicológico,
com o objetivo de fazer da vítima uma pessoa rejeitada. O indivíduo-alvo é
submetido a difamação, abuso verbal, comportamento agressivo e tratamento frio
e impessoal".
Idêntico foi posicionamento do
Tribunal Regional Federal da 5ª Região quando do julgamento da Apelação
575321-PB.
Naquela oportunidade, o
desembargador Federal Manoel Erhardt destacou que, "para que haja o
reconhecimento da existência de assédio moral no trabalho, é necessária a
apresentação de provas robustas da existência de tal prática, haja vista que
não se pode confundir o assédio moral (prática gravíssima que deve ser
rechaçada sempre) com normais desentendimentos no ambiente de trabalho
(situação comum em qualquer agrupamento humano)".
Assim, inobstante a construção
jurisprudencial que vem sendo construída sobre o assunto, observa-se a
necessidade de uma legislação específica sobre o assédio moral no âmbito dos
entes públicos de modo a delimitar a sua incidência.
Charles
Hamilton / Revista
Consultor Jurídico
Via Blog Atualidade em
Debate/Professor Luciano
Silva
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