Geração Nem Nem (Foto: IGOR DE
MELO 1/1/2012)
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A primeira negação é a do nome
- a identificação, o ser completo - por estar em uma área de vulnerabilidade
social; outras negações vêm a partir daí: M. tem 25 anos, quatro filhos, a
morte da mãe alcoólatra "afogada" em uma fossa e a memória do abuso
sexual que sofreu do pai, mora em uma vila localizada na rua de terra sem
saneamento, no Grande Bom Jardim, é cercada pelo nada dos terrenos baldios e do
tempo que morou em abrigo. M. abandonou ainda a escola, na sétima série, e a
sobrevivência é o sim que ela própria se dá: trabalhou como faxineira; fez
marmitas, sequilhos e lanches; refez-se empregada doméstica; hoje;
"negocia" eletrodomésticos seminovos. E até curar a crise intestinal
de um dos filhos, M. adiou o sonho de montar um churrasquinho na esquina da
vila.
A história essencial de M.,
contada por ela, é a extensão de uma pesquisa que faz uma ponte até o viver e o
querer das juventudes que políticas públicas de inserção no mercado de trabalho
ainda não alcançam. "Eles dizem não ao não" retrata pessoas entre 16
e 29 anos, do Grande Bom Jardim - periferia configurada como o quarto bairro
mais vulnerável de Fortaleza e onde a juventude é a maior parcela de moradores
(60%) - , que nem estudam, nem trabalham de maneira formal e nem estão
procurando emprego, conhecidas como a Geração N: um universo de quase 700 mil
jovens no Estado, segundo espelha o estudo.
A pesquisa foi encomendada pelo
Instituto Dragão do Mar ao Laboratório das Artes e das Juventudes da
Universidade Federal do Ceará (Lajus/UFC) e em parceria com o Instituto Oca. Cerca
de 22% dos jovens moradores do Grande Bom Jardim nem estudam e nem trabalham
("nem, nem"); outros 14,4% nem estudam, nem trabalham e nem estão
procurando emprego ("nem, nem, nem"). As mulheres são desse público,
em relação aos homens, destaca a pesquisa.
Aproximando-se desse
território, o estudo do Lajus/UFC entrevistou 150 pessoas, entre setembro e
outubro de 2018: 54,4% dos entrevistados se identificam como jovens "nem,
nem" e 45,6% como "nem, nem, nem". Um dos dados que chamam a atenção
revela que 47% dos jovens "nem-nem-nem" têm o fundamental incompleto.
A baixa escolaridade impacta nas oportunidades de trabalho. A maior parte dessa
Geração N local - 66,6% - é do gênero feminino e se reconhece parda ou preta -
79,33%.
O estudo chega às juventudes da
periferia pelo mesmo caminho da vulnerabilidade social que as violências
alcançam esses jovens. Um desafio inicial da equipe de sociólogos e
antropólogos pesquisadores "foi o de transpor distâncias, desconfianças,
recusas e assim ultrapassar abismos que parecem lançar essas/esses jovens para
territórios inacessíveis, que se forjam de costas para as instituições e
interlocutores 'formais'", descreve a socióloga Glória Diógenes,
coordenadora do Lajus/UFC. Conduzidos por lideranças locais, pelo respeito e pela
escuta, foi preciso ir até as fronteiras de vidas esgarçadas por negações de
direitos e acuadas por medos cotidianos.
"Entre 2014 e 2018, o
número desses jovens triplicou. O que é esse afastamento do mercado de trabalho
e da escola? Fomos buscar as razões", aponta Glória. Um dos pontos de
chegada, ela demarca, é o desejo que os jovens da Geração N têm de trabalhar no
que imaginam e não no que políticas públicas distantes oferecem a eles. E de
cuidar uns dos outros - dos filhos, dos pais - como ainda não foram cuidados.
"Que essa pesquisa possa avivar os sonhos, que esses sonhos possam ser
traduzidos e ganhar lugar nas políticas públicas e nas escolas", ecoa a
socióloga.
LUGAR
Para a pesquisa "Eles
dizem não ao não", foram entrevistados jovens dos bairros Bom Jardim,
Canindezinho, Granja Lisboa, Granja Portugal, Jardim Jatobá, Santa Cecília,
Santo Amaro e São Vicente. Na região do Grande Bom Jardim, mora 8,33% da
população de Fortaleza, considerou o estudo.
*o povo
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