Moradia, vestuário, saúde e
educação incluem a lista de necessidades básicas de suprimento e manutenção que
uma pessoa deve ter para viver em uma condição digna. Em uma situação em que os
pais de uma criança ou adolescente não tiverem concedendo os direitos
fundamentais, o Poder Judiciário deve ser procurado o mais rápido possível.
Somente neste ano, 38.817
processos estão abertos no Ceará. O número de prisões decretadas por
não-pagamento de pensão alimentícia no estado foi de 380, em 2017, para 1.287,
em 2018, de acordo com o Tribunal de Justiça. Os números representam um aumento
de 238% em um ano.
Há 13 anos, a pedagoga
Elisabeth Maia, 44, iniciou um relacionamento que lhe rendeu uma gravidez e
algumas chateações quanto ao pagamento dos valores relacionados à pensão
alimentícia do filho. Ela define a própria história de vida como uma novela.
Após três meses de namoro, descobriu estar esperando um filho do até então
companheiro que, em primeiro momento, recebeu a notícia de bom grado.
A situação mudou algum tempo
depois, quando a criança tinha cinco meses de vida. De acordo com a mulher, o
companheiro arranjou uma namorada e a pôs, junto ao filho, para fora de casa.
Após o fato, ela decidiu procurar a Justiça para receber a pensão que era
direito da criança.
Na audiência, o pai compareceu.
Ele não trabalhava de carteira assinada, mas, na ocasião, foi acordado entre as
partes um valor de R$ 150. O trato, afirma Elisabeth Maia, foi cumprido durante
os três primeiros meses. A batalha judicial começava aí.
“Comecei a recorrer, mas todos
os advogados que pegavam o meu caso não faziam nada. Mandavam eu esperar dez
dias, e, desde então, lá se vão 13 anos. Enviavam cartas à procura dele, mas
não o encontravam. O tempo foi passando, e ele casou novamente, e hoje em dia
vive bem, mas continua não pagando. Ligava para cobrar a pensão. Ele me dizia que
não me devia nada. Me bloqueou nas redes sociais”, conta.
A situação atualmente é mais
delicada. Embora tenha uma casa própria, Elisabeth Maia continua desempregada.
O pai dela está doente e acamado, já a mãe faz costuras para ajudar nas
despesas da casa, bem como na criação do neto.
Quando o menino tinha oito
anos, foi passar um mês na casa do pai, mas, segundo a mãe, não teve uma
experiência positiva.
“Queria que ele tivesse uma
relação de carinho, afeto com o nosso filho. Não estou interessada no dinheiro,
não. Ele fica perguntando porque o pai não gosta dele. Digo que ele está
viajando. Fico tentando não passar uma imagem negativa do pai”, finaliza.
Crise
Para a advogada e
vice-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil - Seção Ceará (OAB-CE), Anna
Magalhães, o aumento na quantidade de prisões decretadas pelo não-pagamento das
pensões alimentícias pode ser explicado pela dificuldade político-econômica em
que o país se encontra. “Vivemos em uma crise muito intensa nos último tempos.
Pode ter havido uma perda de emprego ou mudança de salário”.
O desemprego, alega, não é
justificativa para as prisões e não exime o devedor do pagamento. Se o pai não
puder fazer o pagamento da pensão, ele tem que avisar ao Poder Judiciário,
informando se está desempregado e pedir uma ação revisional, para reduzir o
valor. Isso não pode ser feito por vontade própria.
Anna Magalhães afirma que não
há uma regra para valor estipulado da pensão alimentícia. O juiz analisa cada
situação. Pode-se comprometer até 50% da renda de uma pessoa. Toda pensão
determinada judicialmente precisa ser exonerada da mesma forma. A pessoa não
pode deixar de pagar por conta própria.
O menor de idade tem uma
necessidade certa. O genitor é obrigado a pagar de qualquer forma. A partir dos
18 anos, deve ser demonstrado que o filho não tem como se manter, que está na
faculdade, por exemplo. Quando ela tiver uma renda, pode ser diminuída ou
exonerada.
Se o pai que estava devendo
pensão alimentícia morre, a dívida pode ser cobrada no inventário, que pode
arcar durante um tempo. A pessoa, então, passa a ser herdeiro. Como ela vai
ficar com os bens, eles vão ajudar na manutenção dela.
Gestantes
O benefício não é um direito
exclusivo aos filhos. As grávidas também podem usufruir dele. Se ela conseguir
demonstrar à Justiça indícios que aquela pessoa é o pai da criança, poderá
receber a pensão ainda estando gestante.
Um pai que ganhava três
salários e pagava um ao filho de repente é demitido e decide pagar uma parte do
valor por conta própria. O pagamento de forma parcial da pensão não impede que
seja decretada a prisão do indivíduo. Todas as mudanças só devem ser feitas
dentro de uma ação judicial.
Se o pagador mascara o valor
que ganha, deve-se procurar o Poder Judiciário também. A prisão só existe
quando existe uma pensão determinada judicialmente. Além da prisão, há também
outras sanções, como o nome do devedor no Serviço de Proteção ao Crédito (SPC)
ou Centralização de Serviços dos Bancos (Serasa), bloqueio de passaporte e ou
de Carteira Nacional de Habilitação (CNH), garante a vice-presidente da
comissão de Direitos Humanos da OAB-CE.
“O juiz pode, também, mandar
oficiar a empresa para que ela informe em juízo o quanto o funcionário ganha.
Se apresentar um valor diferente, está sendo conivente com a farsa. Outra forma
seria a quebra do sigilo bancário ou fiscal, para verificar quanto há na conta,
aplicações, recebimentos por empresas ou outras fontes, por meio da declaração
de imposto de renda”, finaliza a advogada.
Mediação
A mediação familiar oferecida
pela Defensoria Pública é uma alternativa às ações judiciais, uma vez que
permite o diálogo entre as partes a fim de alcançar um acordo satisfatório para
ambas, incluindo a determinação do valor a ser pago pela pensão.
“Nós trabalhamos com uma
atuação preventiva, tentando administrar o conflito ou até resolvê-lo. Aqui,
elas recebem toda a orientação. Dando tudo certo, elas são agendadas e já saem
com uma carta-convite para a outra pessoa, convidando a outra parte para
dialogar, com a presença de um defensor público”, explica Rosane Martins,
defensora pública do Núcleo de Solução Extrajudicial dos Conflitos (Nusol).
Uma vez alcançado o acordo, o
caso é documentado e formalizado, um termo é elaborado e encaminhado ao Poder
Judiciário. Os acordos firmados no Nusol são levados até uma juíza com
competência exclusiva para homologá-los, graças a um convênio firmado entre a
Defensoria Pública e o Tribunal de Justiça.
“Caso o acordo envolva filhos
menores, deverá passar ainda pelo Ministério Público para averiguar se os
direitos estão devidamente resguardados”, ressalta Rosane Martins. O nível de
consenso do Nusol, diz, foi de 81% em 2018.
Petição
Caso a mediação não seja
possível, ou uma das partes prefira seguir diretamente para a ação judicial, é
possível buscar orientação na sede e nos núcleos descentralizados da Defensoria
Pública, de acordo com Denise Castelo, supervisora das Defensorias de Família.
No caso das pensões alimentícias, uma vez que a demanda chegue aos núcleos, é
dada a entrada em uma petição inicial de alimentos.
*Com G1/CE
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