Ceará Acontece: O futuro incerto do Fundeb e a preocupação que avança nos municípios

domingo, 6 de outubro de 2019

O futuro incerto do Fundeb e a preocupação que avança nos municípios


90% das cidades cearenses têm relação de dependência com o fundo educacional
As discussões relativas à continuidade do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) são acompanhadas de perto por estados e municípios. Em tese, este esquema de fomento à educação deixará de existir depois do dia 31/12/2020. É também por este período que novos prefeitos estarão sendo eleitos, outros tantos reeleitos, mas todos já com olhares para as contas do ano seguinte.

No Ceará, das 184 cidades, 174 têm relação de dependência com o Fundo. É o que relata o consultor econômico da Associação dos Municípios do Estado do Ceará (Aprece), André Carvalho. Da contagem cearense, ficam de fora os grandes centros, como Fortaleza, Caucaia, Sobral e Maracanaú. "Em média, os municípios do Ceará, de cada R$ 100 que eles têm para prover educação, R$ 86 são do Fundeb", alerta Carvalho, situando o Ceará como o nono mais dependente dos repasses dentre os estados brasileiros

Um dinheiro que poderia ser aplicado em reformas, construções de novas estruturas, hoje, é voltado 110% em média para a folha de pagamento, que inclui professores e servidores das escolas públicas. A época áurea de facilidades no manejo do Fundeb, informa Carvalho, remonta os anos de 2010, 2011, 2012. Nos anos seguintes, ele diz, com ápice em 2017, o Fundeb registrou declínio até se mostrar insuficiente.

Como evidência de que o Fundeb precisa passar por renovação, o consultor lembra de Pacujá, cidade próxima a Sobral, que já gastou 140% só com a folha de pagamento de servidores educacionais. Foi em 2017. Segundo estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a cidade tem apenas 6.533 habitantes.

O problema também pode residir na baixa densidade demográfica. André Carvalho menciona Independência, próximo a Várzea Alegre e Crateús. Ali, são 7,95 habitantes por quilômetro quadrado: uma área de 3,2 mil quilômetros quadrados para 26,1 mil habitantes. "Alta dificuldade de formar turmas. Portanto, é um município que tem a média aluno por professor baixíssima, comprometendo bastante a folha de pagamento."

E por que compromete a folha de pagamento? Primeiramente, estados que não atingem o valor mínimo por aluno recebem o auxílio da União. Para 2019, por exemplo, foram estipulados R$ 3.238,52 como o valor do aluno que está nos anos iniciais do ensino fundamental urbano. O dinheiro é distribuído conforme necessidade de cada estado e município. Se um município não consegue sequer formar turmas, isso reflete no pagamento dos professores.

Outros impasses esbarram nas regras do próprio Fundeb. É obrigatório que no mínimo 60% sejam destinados a professores. Nilson Diniz (PDT), prefeito do Cedro e presidente da Aprece, revela que em alguns casos isso faz professores receberem 13º, 14º, 15º salários para atingir os 60%, ainda que fossem desnecessários. "E o gasto com estruturas?", questiona Diniz.

Na avaliação do membro do Conselho de Educação do Ceará, Marcelo Farias, o Fundeb demarcou evolução na educação local. "Antes não era nem salário, era coisa insignificante." Apesar da importância atribuída, ele diz que o assunto ainda não entrou na pauta das discussões do Conselho, o que deverá ocorrer num futuro breve. "Até porque o Conselho não pode desconhecer o financiamento da educação. Certamente, deverá estar aí debatendo isso para subsidiar a Secretaria (de Educação)."

Embora André Carvalho coloque Maracanaú fora da lista das cidades dependentes dos repasses, Farias, que também é secretário de Educação, destaca que o os repasses do Fundo são importantes ao município. "Embora insuficiente para arcar." E diz: "a lei determina que no mínimo 60% sejam gastos com pagamento de professores, mas mais de 90% vão para esse pagamento dos profissionais do magistério. Quanto mais for (a complementação federal), melhor", afirma.
Deputada Professora Dorinha, relatora da PEC que pode transformar o Fundeb permanente

Em Brasília, três propostas tramitam visando a continuidade do Fundeb. Em termos de apoio, a relatada pela deputada federal e professora Dorinha Seabra (DEM-TO) está à frente das PECs 33 e 65, de 2019, essas no Senado Federal. Um dos pilares da proposta é o aumento progressivo da complementação da União, hoje fixada em 10%, para 40%. A progressividade se daria ano a ano com um aumento para 15% em 2021 e, depois, subindo 2,5% a cada ano. Até atingir, em 2031, os 40% estipulados. O texto substitutivo também torna o Fundeb permanente, sem prazo de validade.

Proposta de Dorinha tem mais chance de aprovação, diz vice-presidente de Comissão Especial
Idilvan Alencar, deputado pelo PDT do Ceará e ex-secretário de Educação

O deputado federal cearense Idilvan Alencar (PDT) é vice-presidente da Comissão Especial que discute a PEC 15/2015, situada na Câmara dos Deputados, de onde sairá um parecer acerca da proposta. Hoje, ele aponta, o texto da deputada demista corre com mais força em Brasília, por já abarcar itens das propostas que tramitam no Senado Federal.

Além da elevação do repasse federal, o texto estipula que 70% dos recursos do Fundeb serão destinados ao pagamento de professores da educação básica em exercício, o que
representa um aumento de 10% em relação aos atuais 60%. O substitutivo também versa sobre os royalties da exploração de petróleo e gás natural. A ideia de Dorinha é que 75% destes recursos sejam aplicados na educação pública, responsabilidade que recairia sobre a União, estados e municípios.

O calendário de discussões nos parlamentos federais também é relevante. Como o Fundeb é baseado num conjunto de impostos estaduais e municipais, o texto antevê as eventuais mudanças e defende que, apesar delas, os recursos não poderão ser reduzidos.
O calendário de discussões torna ainda mais relevante na proposta o fato de o Fundeb ter relação com a estrutura de impostos de estados e municípios. É que uma reforma tributária está em fase de discussão, tanto na Câmara como no Senado, e o texto apresentado anteviu eventuais mudanças no sistema, estipulando que, independente de qualquer mudança sugerida, recursos para a educação não poderão ser reduzidos.

"Já se tem um consenso em torno da proposta da Dorinha. Entre a Câmara e o Senado, sim. A questão é o Ministério da Educação, que não entende a importância disso. A ideia é que vá uma proposta única", resume o pedetista.

Na verdade, no total, há cinco propostas de reforma tributária sendo discutidas atualmente em Brasília, sendo muito possível que os resultados de um novo sistema tributário resvalem no fundo. Pensando nisso, a relatora demista propõe que as futuras mudanças passem ao largo do programa. O POVO tentou contato com a parlamentar durante toda a semana por meio do gabinete. Na última quinta-feira, a equipe da política informou que ela não poderia conceder entrevista nem enviar áudio em função da agenda apertada.

Sem se aprofundar sobre as propostas postas, o vice-líder do PSL na Câmara dos Deputados, Heitor Freire, ressaltou a necessidade de se agir com cautela, afirmando ter certeza de que os poderes Legislativo e Executivo encontrarão "a melhor forma". "O País passa por uma série de mudanças sempre tendo em vista colocá-lo de volta no caminho do desenvolvimento, e com a educação não é diferente", disse.

Especialistas divergem sobre formato ideal

A professora da Escola de Políticas Públicas e Governo da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Tássia Cruz avalia que os 15% de aumento na complementação inicialmente propostos pelo Planalto deixarão o País ainda mais aquém de civilizações da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), como França, Alemanha ou Dinamarca.

Ela concorda com o percentual de 40% defendido por Dorinha: "ou seja, aumentos na complementação da União até chegar a 40% em um sistema híbrido, como proposto, beneficiariam principalmente as redes municipais mais pobres de estados como o Ceará, sem prejuízo da rede estadual."

O sistema híbrido é a junção do sistema atual, pautado no valor mínimo por aluno, e o novo formato do Valor Aluno Ano Total (VAAT). Existem municípios localizados em estados que recebem complementação, mas a cidade não precisaria. Também o contrário: municípios situados em estados que não recebem, mas precisariam. O VAAT, então, se propõe a corrigir esta imperfeição.

"Independente de como essa mudança (da complementação ir diretamente para os municípios, que está sendo proposta em diferentes versões para o novo Fundeb) aconteça, ela é muito importante", salienta a pesquisadora, que também é membro da entidade Dados para um Debate Democrático da Educação (D³E).

Doutoranda em Educação pela Universidade de São Paulo (USP), Sonia Maria Barbosa Dias destaca que o aumento da participação federal em 15% representaria, sim, um ganho - já que corresponde a 50% do que é repassado hoje, 10%. No ano passado, para lembrar, o valor federal foi de R$ 13 bilhões. "O Fundeb tem sido, para muitos municípios, fonte de bastante recursos. Se tiver mais, os municípios poderão fazer mais obras, seja na estrutura, na condição de trabalho", também considera Maria. (CH) 

ENTENDA O FUNDEB 

COMO SURGIU O FUNDEB?

O Fundeb passou a vigorar em 2007, depois de terminado o tempo de duração do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef), este de 1998 a 2006.

COMO FUNCIONA?

São 27 fundos que formam o Fundeb (26 estados e 1 Distrito Federal). Fundeb é constituído a partir de uma cesta de impostos:
- Fundo de Participação dos Estados (FPE),
- Fundo de Participação dos Municípios (FPM)
- Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS)
- Imposto sobre Produtos Industrializados, proporcional às exportações (IPIexp)
- Desoneração das Exportações (LC nº 87/96)
- Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doações (ITCMD)
- Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores (IPVA)
- Cota parte de 50% do Imposto Territorial Rural (ITR) devida aos municípios.

CONTRIBUIÇÃO FEDERAL 

A participação da União vem com 10% da arrecadação oriunda dos impostos (acima citados) de todos os estados do País. Essa porcentagem é um dos pontos de discussão, já que a ideia da relatora Dorinha é de elevar gradativamente a contribuição, até atingir 40%. O Governo Federal, por sua vez, quer 15%, também num aumento progressivo, de ano a ano. Hoje, o repasse consiste em R$ 13 bilhões anuais.
QUE ESTADOS RECEBEM REPASSES FEDERAIS?

Amazônia, Alagoas, Ceará, Bahia, Pará, Pernambuco, Paraíba, Piauí e Maranhão.A distribuição é feita a partir de No mínimo 60% dos valores do Fundeb devem ser direcionados ao salário de professores da rede pública. Este dinheiro pode ainda ser utilizado no pagamento de diretores, orientadores pedagógicos, funcionários, formação continuada dos professores, transporte escolar, compra de equipamentos, material didático, construção e manutenção de escolas.
NOVA FORMA DE DISTRIBUIÇÃO:

A proposta de Dorinha (DEM-TO) é por nova forma de distribuição. Isso por existirem municípios ricos em estados pobres e municípios pobres em estados ricos. A demista tem a proposta mais avançada, já que engloba, em partes, outras duas propostas: PEC 65/2019 e PEC 33/2019, do Senado Federal.
O QUE É PARA ACONTECER:

No mínimo 60% dos valores do Fundeb devem ser direcionados ao salário de professores da rede pública. Este dinheiro pode ainda ser utilizado no pagamento de diretores, orientadores pedagógicos, funcionários, formação continuada dos professores, transporte escolar, compra de equipamentos, material didático, construção e manutenção de escolas.

O QUE NÃO É PARA ACONTECER:

Usar dinheiro que serviria para uma reforma numa escola ser utilizado no pagamento de um professore que está trabalhando no gabinete do prefeito, por exemplo.
*O Povo Online


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