Apresentada em 2015 pela então senadora Gleisi
Hoffmann (PT-PR), hoje deputada federal, a PEC foi resgatada no Senado por Davi
Alcolumbre (DEM-AP)Agência Brasil
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O Congresso Nacional se movimenta para aprovar
e promulgar, tudo nesta semana, uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC)
para permitir que deputados e senadores negociem livremente com prefeitos e
governadores o destino de emendas parlamentares individuais - sem vinculação
com programas do governo federal, como é hoje. A ideia é permitir que as prefeituras
tenham um dinheiro extra para usar onde quiserem antes das eleições municipais
de outubro do ano que vem. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
A proposta retira de órgãos federais a
fiscalização desses recursos, o que daria margem a questionamentos jurídicos.
Um dos atingidos será o Tribunal de Contas da União (TCU), que tem a
prerrogativa de fiscalização do recurso federal, tarefa que passará a ser feita
por órgãos de monitoramento locais. A medida foi criticada por procuradores da
República, que dizem que ela enfraquece não apenas o combate à corrupção, mas
também a "boa governança de recursos públicos".
Apresentada em 2015 pela então senadora Gleisi
Hoffmann (PT-PR), hoje deputada federal, a PEC foi resgatada no Senado por Davi
Alcolumbre (DEM-AP). O projeto tira o poder de manobra do Palácio do Planalto e
dos ministérios na destinação dos recursos mas, ao mesmo tempo, agiliza verbas
aos municípios - promessa de campanha do presidente Jair Bolsonaro. Com isso,
Bolsonaro pavimenta sua relação com prefeitos e parlamentares que exercem
liderança regional.
A PEC foi aprovada na Câmara com 391 votos
favoráveis e só 6 contrários na terça-feira. Contou ainda com o apoio da
liderança do governo, que orientou o voto favorável à proposta. Ela deve passar
pelo Senado nesta terça-feira, 26, em dois turnos de votação, e já seguir para
promulgação - diferentemente de projetos de lei e medidas provisórias, PECs não
dependem de sanção presidencial.
Certeza
Certo da viabilidade da estratégia e mesmo
antes da aprovação da proposta, o Congresso reabriu na sexta-feira o prazo para
parlamentares indicarem emendas ao Orçamento do ano que vem, já considerando a
adoção das novas regras. Assim, deputados e senadores poderão alterar a
indicação da emenda de uma obra específica, por exemplo, e deixar o dinheiro
livre para os prefeitos.
Isso porque, pela proposta, prefeitos e
governadores poderão escolher para onde vai o dinheiro. O texto assegura a
transferência direta, a Estados e municípios, de 60% das emendas individuais,
num total de R$ 5,7 bilhões, ainda no primeiro semestre do próximo ano.
Ao aprovar a PEC, a Câmara ignorou parecer
técnico da Casa. A Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara
avaliou que a medida poderia fragilizar o orçamento e desviar recursos das
prioridades definidas pelo governo federal e aprovadas no Congresso. "Sem
a especificação de despesas, afasta-se dos contribuintes e do público em geral
o conhecimento da atividade e da política financeira aprovada pelo governo
federal", afirmava o parecer.
Quanto à reabertura do prazo para a indicação
de emendas dentro das novas futuras regras, a assessoria da Comissão Mista de
Orçamento (CMO) informou que essas emendas na nova modalidade serão analisadas
pelo Comitê de Admissibilidade de Emendas, vinculado ao Congresso, só após a
promulgação do texto e alegou que foi necessário reabrir o sistema antes disso
para viabilizar a transferência dos recursos em 2020.
Novas regras
A PEC havia sido resgatada pelo Senado neste
ano. Em abril, os senadores aprovaram o texto. Como a Câmara alterou o
conteúdo, a PEC retornará agora para análise do Senado. Parlamentares
justificam a proposta com a necessidade de destravar recursos para a "ponta",
onde está o eleitorado, especialmente nos municípios.
Cada congressista tem direito a destinar R$
15,9 milhões em emendas individuais por ano. O valor total dessas emendas será
de quase R$ 10 bilhões em 2020. A Constituição manda que metade do montante seja
aplicada em saúde. Na outra metade, os parlamentares escolherão se destinam os
recursos na nova modalidade, chamada de "transferência especial", ou
na antiga, a "com finalidade definida".
Na transferência livre, o dinheiro não será
mais fiscalizado pelo TCU, e o controle caberá a tribunais de contas e
promotores locais. A proposta provocou reação de auditores do tribunal. Nota da
Associação da Auditoria de Controle Externo do TCU encaminhada a senadores diz
que a pulverização da fiscalização dificulta o diagnóstico de fraudes
sistêmicas na aplicação de recursos federais. "A proposta representa
inaceitável retrocesso em relação aos avanços conquistados com a promulgação da
Constituição de 1988, cujo resultado pode ser o aumento da percepção de impunidade."
Mas, para o presidente da comissão especial da
Câmara que analisou a proposta, Eduardo Bismarck (PDT-CE), a fiscalização por
tribunais de contas e promotores locais vai ter mais eficiência. "Quem
perde poder normalmente grita. Na hora em que eu levo a fiscalização para a
ponta, ela é muito mais atuante", afirmou. "A emenda serve para
mostrar que o parlamentar conseguiu aquele recurso no momento adequado junto à
população. O parlamentar precisa de visibilidade, mandar o dinheiro para
determinada coisa e aquela coisa acontecer."
'Estímulo para coisa errada'
O presidente do TCU, ministro José Múcio
Monteiro, afirmou neste Domingo (24) que está preocupado com a PEC que retira
do tribunal e de outros órgãos federais a fiscalização do uso de verbas da
União repassadas a Estados e municípios que deve ser apreciada pelo Senado.
Múcio disse que tirar o TCU desse processo de
averiguação do uso das emendas com recursos federais "é um estímulo para
quem quer fazer a coisa errada".
"Fico preocupado com essa mudança",
afirmou. "Imagine se a pessoa tiver a certeza de que não vai ser
fiscalizada? É um estímulo para quem fazer a coisa errada", destacou o
ministro.
Múcio também ressaltou que "hoje já não é
fácil fiscalizar as emendas carimbadas, imagine essas outras". Apesar do
receio, o presidente do TCU disse acreditar em um debate amplo sobre o tema e
que isso não deve passar fácil no Congresso. "Eu acredito que isso ainda
vai ter muita discussão. Tem que ser muito bem pensado. Afinal, é uma mudança
radical tirar o controle do dinheiro público."
Controles enfraquecidos
A PEC enfraquece a boa governança de recursos
públicos, segundo autoridades ouvidas pela reportagem. "O dinheiro das
emendas parlamentares é uma verba de origem federal e sempre teve fiscalização
federal", disse o presidente da Associação Nacional dos Procuradores da
República, Fábio George Cruz da Nóbrega. Uma mudança, segundo ele, estaria
subvertendo essa lógica.
"(A PEC) retira a competência e a
expertise construída pelos órgãos federais na fiscalização desses recursos - e
aí eu coloco TCU, CGU (Controladoria- Geral da União), Polícia Federal e
Ministério Público Federal."
Para Vladimir Aras, procurador regional da
República em Brasília a proposta que tramita no Congresso tem o potencial de
enfraquecer "o sistema de controle externo do dispêndio e aplicação de
verbas públicas originalmente federais".
Depois de examinar o texto aprovado pela Câmara,
Aras fez duas objeções ao projeto. "A Caixa Econômica Federal deixaria de
atuar no enquadramento e na fiscalização dos projetos, que não teriam
finalidade específica nos Estados e municípios", afirmou.
O procurador apontou que a transferência de
recursos como doação sem vinculação a projetos, "acaba aumentando o risco
de mau emprego, desperdício e até mesmo de desvio". Ele disse ainda que os
Tribunais de Contas locais "têm problemas de composição e não funcionam
adequadamente em grande parte dos Estados".
Na visão do procurador, embora as cidades
precisem receber dinheiro de modo não burocrático, o sistema de doação direta
pode comprometer o resultado. "Ou seja, obras e projetos importantes mal
feitos ou desvirtuados", argumentou.
Além de ter participado das investigações
transnacionais da Operação Lava Jato, Aras foi o candidato à chefia do
Ministério Público que contou com apoio reservado dos procuradores das
forças-tarefa da Lava Jato em Curitiba, Rio e São Paulo.
Regra
De acordo com Nóbrega, quando o assunto é
desvio de recursos públicos, duas súmulas do Superior Tribunal de Justiça (STJ)
determinam o que é competência da Justiça Federal e o que fica aos cuidados das
justiças dos Estados.
Atualmente, verbas de origem federal que são
enviadas a Estados e municípios mediante convênios e contratos de repasse -
caso das emendas - seguem sujeitos à fiscalização federal.
Cabe às autoridades locais fazer o
acompanhamento nos casos em que o dinheiro é repassado a cidades e Estados por
força de repartição de impostos, como no caso dos Fundos de Participação dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
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