Homens com máscaras de proteção
carregam caixão de vítima do novo coronavírus em cemitério de Bergamo, na
Itália Foto: Flavio Lo Scalzo / REUTERS
|
ROMA — A Itália registrou nesta
sexta-feira mais 627 mortes pelo novo coronavírus, o maior número de vítimas em
24h desde o início da pandemia. Um dia antes, o país já havia superdo a China
com o maior número de vítimas relacionadas ao novo coronavírus. Com isso, as
vítimas fatais chegam a 4.032. Mas o que deu errado?
Uma das razões para a alta
mortalidade no país é o grande número de idosos, proporcionalmente maior que na
China — a idade média do italiano é de 44 anos, contra 37 dos chineses. Segundo
o Instituto Superior de Saúde, ligado ao Ministério da Saúde, a idade média do
italiano que se infecta pelo novo vírus é de 63 anos.
Em quarentena há trezes dias, o
país foi o primeiro a impor um confinamento geral à população para tentar frear
a pandemia, que se tornou a sua mais grave crise desde a Segunda Guerra
Mundial. Tomada para preservar o seu sistema de saúde, a medida extrema, após
resistência inicial dos pares europeus, acabou sendo adotada por países como
Espanha e França.
Mas o momento em que ele se
alastrou no país europeu, pelo menos desde janeiro, também contribuiu para o
panorama: trata-se de um período frio, em que tradicionalmente há mais casos de
gripe, confundida inicialmente com a Covid-19.
— A principal razão é o tamanho
da nossa população de idosos — afirma o médico Antonio Montegrandi,
especializado em doenças infectivas. — Até agora, as vítimas relacionadas à
Covid-19 com menos de 50 anos são raras, e todas conviviam com alguma doença
séria.
Médico em Roma, ele teve dois
pacientes que morreram por complicações relacionadas ao coronavírus: um de 84
anos e outro de 92.
A situação é mais crítica na
Lombardia, região do Norte, uma das mais ricas do país, onde o número de mortos
já superou dois mil. Responsável por um quarto do PIB nacional e com um sistema
de saúde considerado um dos melhores da Europa, a região está próxima do
colapso, com escassez de médicos e falta de leitos em UTIs.
Outro aspecto que explica a
rápida difusão, e que inevitavelmente contribui com o índice de mortes, é a
dificuldade dos italianos em respeitar a quarentena, o que foi muito discutido
no país nos últimos dias. Montegrandi diz que o modo de vida “irresponsável” de
seus conterrâneos contribui, um povo que, segundo ele, “não tem um senso
cívico” e é “um pouco rebelde” com as regras.
O contraste da anarquia
italiana, conta ele, fica evidente quando comparado ao esforço feito em lugares
como China e Coreia do Sul, nações mais disciplinadas que a italiana:
— Como se trata de um vírus
muito contagioso, esse modo de vida se transforma num problema. Muitos jovens
estão infectados, não apresentam sintoma, pensam que estão bem e continuam a
infectar outras pessoas, tornando-se um perigo para a faixa de risco. Por isso
é importante respeitar a quarentena.
Montegrandi defende que a
Itália deveria realizar exames em massa na população para conseguir isolar os
eventuais infectados assintomáticos, medida que não está sendo adotada. Especialistas
e o próprio governo reconhecem que há uma subnotificação dos casos na contagem
nacional — são mais de 41 mil positivos ao teste, entre pessoas ainda em
tratamento e que já se curaram, mas o número real de contaminados pode ser três
vezes maior.
Antes de o governo decretar o
confinamento nacional, as primeiras medidas de restrição se concentravam nas
cidades do Norte, epicentro da difusão na Itália. Quando a recomendação era de
permanecer em casa, muitos foram passear em praias e estações de esqui, que
ficaram cheias.
Fotos de aglomerações nesses
lugares ganharam as redes e foram citadas pelos ministros do governo e pelo
governador da Lombardia para justificar as medidas extremas. Entre as pessoas
que foram esquiar estava um senhor infectado pelo Covid-19, que deveria
obrigatoriamente estar em isolamento.
Outro problema para conter o
vírus surgiu quando soube-se que o governo iria decretar uma quarentena em todo
o país: houve um deslocamento em massa do Norte — em trens, ônibus e aviões —
para as cidades do Centro e do Sul da Itália, regiões onde a epidemia está mais
controlada. Infectologistas do Instituto Superior de Saúde, que monitoram a
emergência, consideraram a atitude irresponsável.
Quarentena estendida
O decreto da quarentena —
intitulado “io resto a casa” (eu fico em casa) — começou a vigorar no dia 9 de
março, suspendendo aulas, missas, funerais e competições esportivas, além de
fechar comércios e estipular regras de circulação. Dois dias depois, o governo
baixou novas regras, determinando o fechamento de bares e restaurantes. Agora
estão abertos apenas serviços como supermercados, farmácias e tabacarias, que
funcionam em horário restrito e com número limitado de clientes.
Sair às ruas é permitido apenas
por motivos de trabalho ou saúde, e o deslocamento precisa ser justificado sob
pena de multa e pode render até prisão. Em uma semana, foram denunciadas mais
de 43 mil pessoas que descumpriram o decreto, segundo o governo. A Itália
começou a empregar esta semana militares do Exército para aumentar os controles
nas ruas, transportar corpos em cidades onde os cemitérios estão superlotados,
como em Bergamo, e para montar hospitais de campanha. Segundo especialistas, a
a pandemia ainda não atingiu o seu pico na Itália, que estendeu o período de
quarentena além do dia 3 de abril, inicialmente previsto.
*oglobo.globo.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário