Além de ser uma doença
respiratória, a Covid-19 também afeta o cérebro humano, provocando
manifestações como delírios e perda de olfato e/ou paladar. Não é de se
estranhar: evidências já demonstravam que os coronavírus Sars-Cov (2002) e Mers
(2012) também infectavam o cérebro, induzindo a encefalites, encefalopatia e
Acidentes Vasculares Cerebrais (AVCs). O apresentador do SportTV, Rodrigo
Rodrigues morreu, em julho, vítima de complicações neurológicas após a
Covid-19.
No entanto, o Sars-Cov-2, vírus
causador da Covid-19, parece ter mais efetividade ao alcançar o sistema
nervoso. Isso faz com que ele provoque manifestações mais intensas em
comparação aos outros coronavírus. Assim, estima-se que cerca de 40% das
pessoas contaminadas com o novo coronavírus apresentam sintomas neurológicos.
No Ceará, o Plantão
Coronavírus, sistema de teleatendimento da Secretaria de Saúde do Ceará (Sesa),
já atendeu 8.402 pessoas (11,9%) com dor de cabeça e 2.674 (3,7%) com confusão
mental. Os dados são do portal IntegraSUS, da Sesa, e correspondem ao período
entre 17 de abril e 14 de setembro de 2020.
O neurocientista Walace Gomes
Leal, professor da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa), elenca alguns
efeitos neurológicos do novo coronavírus observados até então:
– cefaleia (dor de cabeça);
– náuseas;
– vômito;
– perda/alteração de
consciência;
– perda do olfato e/ou do
paladar;
– convulsões;
– Meningite;
– Síndrome de Guillain-Barré e;
– Acidente Vascular Cerebral
(AVC).
Como o Sars-Cov-2 chega ao
cérebro
Para infectar as células
humanas, o Sars-Cov-2 se interliga com uma proteína chamada ACE 2. Ela está
localizada em várias partes do corpo humano, com especificidade nos pulmões.
Por isso, o vírus atinge o sistema respiratório. Da mesma forma, o cérebro
possui algumas células com ACE 2, ainda que em quantidade menor.
“Como este receptor está
presente em vários tecidos, incluindo células do trato respiratório superior,
pulmão, coração, fígado, rins e cérebro, o novo coronavírus pode afetar todos
estes órgãos”, explica Walace. Por outro lado, ainda é indefinida a forma que o
vírus chega ao cérebro.
O fisioterapeuta Edgard Morya e
o neurocirurgião Hougelle Simplício, do Instituto Santos Dumont (ISD), explicam
que existem duas possibilidades de invasão neurológica, ainda a serem
estudadas:
Invasão por meio de células
presentes no sangue ou;
Invasão do por meio dos
neurônios olfativos, responsáveis pelo olfato e presentes no nariz.
Vírus ataca os neurônios
Uma certeza é de que a Covid-19
ataca os neurônios, como indicado por pesquisa da Universidade de Yale, ainda
em preprint (que ainda precisa de revisão de outros pesquisadores) e publicada
dia 8 de setembro de 2020.
A pesquisa demonstrou que o
vírus atinge principalmente o córtex, a parte mais superficial do cérebro. De
acordo com as observações, o Sars-Cov-2 não destrói as células infectadas, mas
parece suprimir a comunicação com outras células e “sugar” o oxigênio delas,
provocando a morte da região ao redor do organismo.
O córtex frontal, explica o
neurocientista Walace, é responsável por aspectos mentais complexos, tal qual o
controle social, que nos ajuda a não falar coisas inapropriadas com estranhos.
Também passam pelos neurônios do córtex frontal as decisões humanas, como a
profissão que se deseja ter.
“É muito preocupante que o
Sars-Cov-2 infecte neurônios do córtex cerebral. Ainda mais preocupante é que
não se encontrou no tecido cerebral grande infiltrado imune, sugerindo que a
resposta imune pode ser inadequada no cérebro”, analisa o neurocientista.
Segundo ele, ainda há muito a se estudar sobre a resposta imunológica do corpo
humano à Covid-19 no órgão.
Relação com mortes
O mesmo estudo indicou a
possibilidade de a letalidade do vírus estar relacionada à infecção do cérebro.
Em um teste realizado com camundongos, observou-se que todos os animais
contaminados com o vírus no cérebro morreram, enquanto os contaminados nos
pulmões se recuperaram.
A relação com a letalidade, no
entanto, ainda é uma hipótese – ou seja, necessita de mais pesquisas para
averiguar a veracidade. De acordo com os pesquisadores, parece ser o caso de
que as evidências científicas estejam à frente dos dados clínicos, que ainda
não conseguiram identificar os sintomas neurológicos como diretamente
responsáveis pelas mortes dos pacientes.
O neurologista José Renato
Bauab, médico do Hospital Sírio Libanês, em São Paulo, afirma que há uma certa
dificuldade em atestar se os pacientes manifestam sintomas neurológicos, por
causa dos sedativos. “Com o paciente sedado e entubado, a gente acaba perdendo
parâmetros neurológicos”, comenta. “Tudo pode estar ocorrendo de modo
silencioso, sem que nós percebamos.”
O que ainda está em
investigação
A pandemia de Covid-19 tem
evidenciado o potencial científico do mundo e do Brasil. Em seis meses de
pesquisas brasileiras e quase um ano no mundo, os cientistas conseguiram
desvendar muitos funcionamentos do Sars-Cov-2. O mesmo se reflete na produção
de uma vacina segura, transparente e eficaz: em menos de um ano, já são nove
ensaios clínicos na Fase 3 – última e mais rigorosa – em andamento, segundo a
Organização Mundial da Saúde (OMS).
Por outro lado, ainda há muito
a se desvendar. Conforme explica o neurologista Bauab, aspectos como a maneira
de diagnosticar a Meningite por coronavírus e como se dá a agressão autoimune
no cérebro demandam mais investigações. “Sejam aspectos clínicos, sejam
neurológicos, em seis meses aprendemos muito, mas ainda é pouco”, reforça o
médico.
Já Edgard e Hougelle, do ISD,
entendem que há dúvidas sobre o impacto a médio e longo prazo da infecção do
Sars-Cov-2 no cérebro. Há relatos de pacientes com persistência de sintomas
três meses após serem infectados pelo vírus, por exemplo. “O investimento em
pesquisas no Brasil e no mundo é essencial para acompanhar a população
recuperada da Covid-19, para antecipar outras consequências ainda
desconhecidas”, ressaltam.
(Com informações/OPovo)
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