Vinte e três policiais militares
estão respondendo a procedimentos na Controladoria Geral de Disciplina dos
Órgãos de Segurança Pública e Sistema Penitenciário (CGD), os quais apuram
transgressões disciplinares por tortura. Além desses processos administrativos,
10 PMs têm contra si a instauração de apurações sobre possíveis crimes de
homicídios dolosos - quando há intenção de matar.
Segundo a CGD, todos esses
processos estão em fase de instrução. "Ressalta-se que referida
instauração importa no afastamento do exercício da função policial, segundo
determina a legislação vigente", pontuou a Controladoria. Já a Promotoria
de Justiça Militar - que é responsável por apurar crimes como tortura,
corrupção, insubordinação, motim, entre outros cometidos por agentes militares
até que fiquem caracterizados indícios de autoria - já formalizou duas
denúncias de tortura neste ano e declinou da competência para as varas do júri
de cinco inquéritos de mortes cometidas por militares com indícios de homicídio
doloso.
Enquanto os números e processos
vão se amontoando, Ana Ludmila só aguarda uma palavra: Justiça. Era tarde do
dia 29 de janeiro de 2020, quando seu sobrinho Antônio José da Costa, de 23
anos, foi abordado por uma equipe do Comando de Policiamento de Ronda e Ações
Intensivas e Ostensivas (CPRaio) no município de Granja, Norte do Ceará.
Os militares foram averiguar uma
denúncia de tráfico de drogas praticada por um homem conhecido como 'Tonhão
Chinês'. A família, desde o princípio, argumenta que, embora Antônio José fosse
conhecido por 'Tonhão', o codinome 'Chinês' se refere a outra pessoa. Apesar
disso, os PMs encontraram o rapaz à frente de sua casa e apreenderam com ele 20
sacos plásticos de dindin, um tomate e 0,01g de maconha. A legislação considera
porte para consumo 1g de psicoativos.
Os policiais relataram em Boletim
de Ocorrência que foi dada voz de prisão a ele e, em seguida, entraram na sua
casa a fim de realizar buscas e pegar seus documentos. Os militares afirmaram
que Antônio José foi algemado numa sala da casa e, enquanto faziam buscas no
local, ele fugiu. Ao procurarem no quintal, encontraram Antônio dentro de um
cacimbão batendo os pés.
A prova técnica
Com essa imagem, eles disseram
que o retiraram do local e tentaram ressuscitá-lo. Sem sucesso, Antônio foi
levado a uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) e, lá, foi constatado o óbito.
Mas nem todo o relato foi comprovado de forma prática. A narrativa dos
policiais foi refutada a partir de um laudo da Perícia Forense do Estado do
Ceará (Pefoce) .
A perícia constatou que "os
achados não se mostram típicos do afogamento verdadeiro ou do afogado úmido".
A perita concluiu que Antônio José morreu por asfixia mecânica em razão de
"obstrução das vias respiratórias por aspiração em meio líquido-pastoso
contendo restos de alimentos (vômitos)". No laudo pericial, ainda foram
constatadas escoriações nos punhos, nos cotovelos e no ombro esquerdo, além de
equimose (mancha de sangue) na face.
"A gente quer Justiça. Meu
sobrinho morreu de graça, por nada. Foi a pura crueldade desses policiais. A
gente não entende por que eles fizeram isso, qual o motivo, pois não tinha
precisão de eles fazerem isso, foi uma covardia", aponta a tia da vítima,
ao ressaltar que a família, desde então, não conseguiu ter paz, nem saúde, só
imaginando "o sofrimento que ele passou".
Os acusados pelo crime são o cabo
Adalberto Nascimento Dias e os soldados Edmundo Ferreira da Costa Neto,
Marclésio Ferreira da Silva e Pedro Dias dos Santos. Eles foram afastados pela
1ª Vara da Comarca de Granja e ficaram proibidos de entrar em contato com
testemunhas e familiares da vítima.
Em nota, a defesa dos policiais
militares, representada pelo advogado Roberto Queiroz, afirmou que eles estão
"bastante tranquilos e conscientes de sua inocência". "Todos
possuem uma ficha funcional íntegra e sempre atuaram dentro dos parâmetros
legais, dessa forma, estão ainda mais seguros e dispostos a demonstrar sua
inocência, que restará comprovada ao fim do trâmite dos procedimentos
investigatórios", escreveu.
Responsabilização
Na visão da defensora pública
Liana Lisboa, que atua em uma das Varas do Júri da Comarca de Fortaleza, os
dados parecem "consolidar uma percepção da Defensoria de que falta a esses
policiais do Ceará, que vêm praticando homicídios ou a prática de tortura e
maus-tratos, uma responsabilização pelas irregularidades e pelos crimes cometidos
no exercício da função".
Conforme a defensora, o órgão vem
observando, desde 2018, um aumento no número de abordagens policiais com falhas
procedimentais, nas quais surgem a mesma narrativa dos agentes da segurança e
faltam provas periciais a fim de balizar o andamento das ações. Além disso,
segundo a defensora, há um "padrão" de comportamento institucional
quando um PM mata alguém em operação que é formalizado pela Polícia, pelo
Ministério Público, que oferta as denúncias, e pelo Poder Judiciário, que as
recebe, culpabilizando, assim, quem morreu ou sobreviveu. "Já temos
conseguido sensibilizar o MP e o Judiciário, mas seguimos recebendo processos
dessa natureza. O que mostra que é preciso que o sistema de Justiça dê conta da
sua parcela de responsabilidade na legitimação desse tipo de ação",
finaliza.
'Insignificantes'
Para o promotor de Justiça da
Vara Militar, Sebastião Brasilino, os números são altos, uma vez que não
deveria haver nenhum. Ele pontuou que tudo o que se diz de um policial militar
é averiguado. Quando comparados ao total de apurações em processos judiciais,
os casos de tortura e homicídio são "quase insignificantes". "Eu
acho que se tiver uma tortura feita pela Polícia e um homicídio é muito.
Infelizmente, em uma cidade como Fortaleza, a gente já se habituou ao número
alto de homicídios que esses números parecem pequenos".
De acordo com Brasilino,
"99% da Polícia Militar são de homens bons, agora têm esse 1% que 'bota
gosto ruim no suco todinho'. Militar é forjado para ser correto. É um trabalho
muito difícil, mas também é fácil porque está tudo escrito, a norma militar é
toda escrita e avisada", argumenta.
Em nota, a Polícia Militar do
Ceará afirmou "que segue a legislação vigente e cumpre as decisões
judiciais". A Corporação ainda ressaltou que "não compactua com
atitudes negativas exercidas por nenhum de seus servidores e a essência da
Instituição é a proteção das pessoas", pontuou. Segundo a PM, além das
apurações realizadas pela Controladoria, a Corporação instaura Inquérito Policial
Militar para apurar as más condutas.
Fonte: G1CE / DNSegurança
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