O funcionário público que recebe remuneração e, supostamente, não
exerce a atividade laborativa que dele se espera, não pratica crime. Da mesma
forma, pagar salário não constitui desvio ou apropriação da renda pública, pois
é obrigação legal. Eventuais fraudes podem ser alvo de sanções administrativas
ou civis, mas não de sanção penal.
Com esse entendimento, a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça
trancou ação penal contra o prefeito de Ilha das Flores (SE), Christiano
Rogério Rego Cavalcante, e contra um funcionário fantasma que teria sido
contratado por ele, mas, segundo o Ministério Público, jamais desempenhou
qualquer serviço público para o Município.
Ambos foram denunciados pela prática do crime previsto no artigo 1º,
inciso I, do Decreto-Lei 201/1967. A norma diz que comete crime de
responsabilidade o prefeito que apropria-se de bens ou rendas públicas, ou
desvia-os em proveito próprio ou alheio.
Primeiro, o STJ concedeu a ordem em Habeas Corpus para trancar a ação
penal em relação ao servidor, por considerar que a não prestação de serviços
não configura o crime indicado pelo MP.
Segundo o relator, ministro Sebastião Reis Júnior, a conduta descrita
sequer poderia ser enquadrada no artigo 312 do Código Penal, que tipifica o ato
de “apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem
móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou
desviá-lo, em proveito próprio ou alheio”.
“Afinal, está pacificado o entendimento de que servidor público que se
apropria dos salários que lhe foram pagos e não presta os serviços atinentes ao
cargo que ocupa não comete peculato. Configuração, em tese, de falta
disciplinar ou de ato de improbidade administrativa”, entendeu.
Posteriormente, Christiano Rogério Rêgo Cavalcante pediu extensão da
decisão de HC com base no artigo 580 do Código de Processo Penal. A norma diz
que, no caso de concurso de agentes, a decisão do recurso interposto por um dos
réus, se fundado em motivos que não sejam de caráter exclusivamente pessoal,
será aproveitada aos outros.
O pedido foi negado porque os corréus estão em situação distinta na
ação. Um foi denunciado na condição de nomeado para exercício de função
pública. O outro, na condição de gestor público, prefeito, responsável pela
nomeação.
“Nessas condições, a denúncia até poderia descrever conduta do
requerente no intuito contratar, às expensas do erário, funcionário privado,
isto é, para utilizar o servidor público nomeado para a realização de serviços
privados ao prefeito, mas isso não ocorreu. Assim, na minha visão, é caso de
concessão da ordem de Habeas Corpus, de ofício”, concluiu.
A concessão cita jurisprudência da turma segundo a qual “pagar ao
servidor público não constitui desvio ou apropriação da renda pública,
tratando-se, pois, de obrigação legal. A forma de provimento, direcionada ou
não, em fraude ou não, é questão diversa, passível inclusive de sanções
administrativas ou civis, mas não de sanção penal”.
(Via
Roberto Moreira)
Nenhum comentário:
Postar um comentário