Escolas têm papel fundamental na
retomada dos jovens à sala de aula, aponta Unicef - Foto: Thiago Gadelha |
A pandemia impactou fortemente os
avanços conquistados nos últimos anos no acesso à educação básica. Entre 2019 e
2020, quase cem mil crianças e adolescentes cearenses deixaram de frequentar a
escola no Ceará. Os números foram divulgados na manhã desta quinta-feira (29)
pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), com dados provenientes
da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) de 2019 e Pnad Covid-19,
realizada no ano passado.
Em 2019, ano anterior à pandemia
do novo coronavírus, o Estado tinha cerca de 40 mil crianças e jovens entre 4 a
17 anos em situação de exclusão escolar. No ano passado, este número saltou
para 135 mil, considerando, no entanto, o público de 6 a 17 anos – um aumento
de 240%. O Ceará acompanhou o fluxo de alta verificado em todos os estados
brasileiros e Distrito Federal.
Em todo o País, são mais de cinco
milhão – dentro de um universo de 36.616.832 – de pessoas entre 6 a 17 anos que
não frequentavam as salas de aulas em 2020. Já em 2019, era 1,1 milhão – para o
público de 4 a 17 anos. O aumento nacional foi de 354%.
CENÁRIO NO NORDESTE
No Ceará são 135.069 crianças e
adolescentes sem acesso à educação. O número representa 8,2% desta população,
estimada em 1.651.979. Dentre os estados no nordeste, este é menor
percentual, embora o Ceará supere, em números absolutos, os estados da Paraíba,
Piauí, Sergipe e Alagoas.
Na ponta oposta está o estado da
Bahia. Ele tem o maior número absoluto de jovens fora da sala de aula (quase
850 mil) e maior porcentagem (30,7%). A média percentual no Brasil é
de 13,9% de crianças e adolescentes fora da escola. Portanto, apesar do
agravamento no quadro, o Ceará está com índice inferior à média nacional.
Números no Nordeste em 2020 -
idade 6 a 17 anos:
- Bahia: 844.045 crianças e jovens fora da
escola (30,7%)
- Rio Grande do Norte: 160.059 crianças e jovens fora
da escola (24,9%)
- Sergipe: 93.133 crianças e jovens fora da
escola (21,4%)
- Alagoas: 124.106 crianças e jovens fora da
escola (17,7%)
- Maranhão: 244.307 crianças e jovens fora da
escola (15,8%)
- Pernambuco: 230.500 crianças e jovens fora da
escola (13,1%)
- Piauí: 76.895 crianças e jovens fora da
escola (12,1%)
- Paraíba: 78.490 crianças e jovens fora da escola (10,8%)
- Ceará: 135.069 crianças e jovens fora da escola (8,2%)
Quando observado o recorte
anterior à pandemia, a posição entre os estados se inverte. Dos estados
nordestinos, Alagoas era o que tinha, em 2019, o maior percentual (4,4%), com
28.309 crianças e adolescentes sem frequentar escolas.
Piauí estava na melhor situação,
com o menor percentual (1,5%). Já em números absolutos, o Ceará só ficava atrás
do estado do Pernambuco, que tinha 56.277 jovens em situação de exclusão
escolar, de um universo de 1.934.774 (2,9%).
Números no Nordeste antes da
pandemia (2019) - idade 4 a 17 anos:
- Alagoas: 31.922 crianças e jovens fora da
escola (4,3%)
- Paraíba: 28.309 crianças e jovens fora da
escola (3,4%)
- Sergipe: 14.918 crianças e jovens fora da
escola (3%)
- Pernambuco: 56.277 crianças e jovens fora da
escola (2,9%)
- Maranhão: 49.370 crianças e jovens fora da
escola (2,8%)
- Ceará: 49.900 crianças e jovens fora da escola
(2,7%)
- Bahia: 77.309 crianças e jovens fora da
escola (2,5%)
- Rio Grande do Norte: 11.994 crianças e jovens
fora da escola (1,7%)
- Piauí: 10.517 crianças e jovens fora da
escola (1,5%)
PANDEMIA RETROCEDE QUASE DUAS
DÉCADAS
A representante do Unicef no
Brasil, Florence Bauer, considera que nos últimos anos o Brasil
"vinha avançando, lentamente, na garantia do acesso de cada criança e
adolescente à Educação". As Pesquisas Nacionais por Amostra de
Domicílio mostram que de 2016 até 2019, o percentual de crianças e
jovens de 4 a 17 anos na escola vinha crescendo no País, embora com
manutenção das desigualdades.
"A desigualdade social
presente em nossa sociedade se reproduzia ao olhar para a exclusão escolar.
Então chegou a pandemia da Covid-19. E a desigualdade e a exclusão se agravaram
ainda mais. Com escolas fechadas, quem já estava excluído ficou ainda mais
longe de seu direito de aprender. E aqueles que estavam matriculados, mas
tinham menos condições de se manter aprendendo em casa – seja por falta de
acesso à internet, pelo agravamento da situação de pobreza e outros fatores –
acabaram tendo seu direito à educação negado", posiciona-se Bauer.
Ela considera os números
alarmantes e diz que "o País corre o risco de regredir mais de duas
décadas no acesso de meninas e meninos à educação".
"É urgente reabrir as escolas em segurança e tomar todas as medidas
necessárias para garantir o direito de aprender."
FLORENCE BAUER
Representante do Unicef no Brasil
O Diretor de Pesquisa e Avaliação do Cenpec Educação, Romualdo Portela de
Oliveira, avalia que "todo esforço ao longo de décadas para garantir
acesso à educação se ver ameaço". Ele destaca que os números que
lentamente vinham avançando, regrediram de forma abrupta. "Os indicadores
de hoje se assemelham ao quadro dos anos 2000. Portanto, podemos dizer que
retrocedemos duas décadas".
PERFIS DA EXCLUSÃO
A pesquisa identificou que jovens
pretos, pardos, indígenas e com baixo poder aquisitivo lideram as estatísticas
de exclusão – 61,9% das famílias com jovens fora da escola vivem com
renda per capita de até meio salário mínimo. De todas as crianças e adolescente
de 4 aos 17 anos em situação de exclusão escolar, 62% são pardas e 28,5%
brancas. Pretos e indígenas somam 9,3% e amarelos 0,2%
Moradores das áreas rurais também
possuem mais exclusão em comparação àqueles que moram na zona urbana.
Enquanto 6,4% das crianças de 4 a 5 anos residentes na área urbana estavam
fora da escola, na zona rural este índice chegou a 10,7. Entre jovens de 15 a
17 anos, 6,3% da zona urbana estavam fora da sala de aula e 10,6%, na rural.
Entre crianças e jovens de 4 aos
17 anos, os meninos são maioria entre aquelas que estão fora da escola na faixa
etária de escolarização obrigatória. Esse retrato mostra, segundo o Unicef, que
a garantia do direito à educação, estabelecida em lei, "ainda tem um longo
caminho para efetivar-se".
'A
manutenção dessas desigualdades pode representar impactos importantes na vida
de cada uma das crianças e das(os) adolescentes, de suas comunidades e de toda
a sociedade."
UNICEF
PORQUE ESSES JOVENS ESTÃO FORA
DA ESCOLA?
A Pnad lançou um olhar para
identificar os motivos pelos quais essas crianças e jovens estariam fora da
escola. Esse prisma flutua entre os mais diversos agentes: crianças, jovens e
seus responsáveis. Crianças de 4 e 5 anos, declararam, segundo o estudo, que
não frequentam por opção dos pais ou responsáveis (48,5%).
Róberia Sabino, de 34 anos, se
encaixa neste perfil. Ela optou ensinar o filho, hoje com 8 anos, em casa.
"Avaliei que a metodologia de ensino na escola não estava adequada. Meu
filho não conseguia absorver tudo que lhe era ensinado. Então resolvi tirá-lo.
Não queria que ele avançasse de ano sem que tivesse conhecimento sobre todos os
conteúdos", explica. O jovem ficou sem frequentar a escola em 2019.
"No ano passado resolvi
inseri-lo novamente. Mas, além da escola, coloquei ele em aulas de reforço e
continuo ensinando alguns conteúdos em casa", acrescenta Róberia.
Além dessa "opção
familiar", outros fatores apontados por jovens e responsáveis são “não ter
escola”, “falta de vagas” e “escola ou creche não aceitar a criança por conta
da idade”. A soma dessas três justificativas representa 41,5% das
respostas.
- Por opção dos pais ou responsáveis (acham muito
nova para ir à escola, preferem cuidar em casa, etc.) - 48,5%
- Falta de vaga na escola - 19,1%
- Não tem escola ou a escola fica distante - 13%
- A escola não aceita a criança por conta da idade -
9,4%
- Problema de saúde permanente da criança - 3,1%
- Falta de dinheiro para pagar a mensalidade,
transporte, material escolar, etc - 2,4%
- As escolas não são boas ou seguras ou adaptadas
para criança com deficiência - 0,2%
- Outro motivo - 4,3%
COMO REVERTER ESSE QUADRO?
Para voltar a avançar no acesso à
educação, Florence Bauer elenca alguns pontos nos quais ela considera ser
fundamental. O primeiro deles é a reabertura segura das escolas.
"O Brasil é um dos países
com período mais longo de escolas fechadas. O impacto vai além do aprendizado.
Crianças fora da escola correm mais riscos, a segurança é menor. Tem também a
questão da segurança alimentar, muitos não conseguem ter acesso ao alimento
fora das escolas", observou.
Florence destaca que, em paralelo
a essa abertura, é necessário um trabalho de busca ativa dessas crianças e
adolescente que estão fora da sala de aula. Ela reforça ainda a importância da
garantia de acesso à internet a todos, "em especial os mais
vulneráveis", dado que muitas localidades estão com ensino híbrido.
Campanhas de comunicação
comunitária, com foco em matrículas, e engajamento das escolas para o
enfrentamento a exclusão escolar são outros pontos tidos como crucial para
reverter este quadro que inspira preocupação.
"Esse estudo da Unicef diz
respeito apenas a frequência escolar. Ainda não é possível observar os impactos
do aprendizado, mas certamente serão significativos", destacou Romualdo
Portela de Oliveira.
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