Legenda: A Pedra Furada é um dos
principais cartões postais de Jericoacoara - Foto: Divulgação/Prefeitura |
Que o Brasil é um país de incontáveis belezas naturais muitos já sabem, mas nem todos têm conhecimento de que para entrar em alguns desses "paraísos" é preciso pagar uma taxa, respaldada pelo Código Tributário Nacional.
São pelo menos oito localidades brasileiras que recolhem valores para entrada ou estadia de turistas. Dentre elas, Fernando de Noronha e a Vila de Jericoacoara, no Ceará. Gramado, no Rio Grande do Sul, já cobra uma taxa simbólica, mas um projeto de lei, enviado à Câmara de Vereadores neste mês, pretende alterar a forma de cobrança e os valores, que poderiam chegar a R$ 80.
Tais valores arrecadados nestas localidades se justificam, na teoria, para serem investidos em infraestrutura, limpeza pública, saneamento básico, desenvolvimento de projetos ambientais e controle do fluxo de turistas, para evitar excesso de visitantes.
O Código Tributário Nacional autoriza municípios a instituírem a arrecadação de tributos para controle, proteção e preservação do patrimônio ambiental e ecológico.
Tudo isso converge em prol da preservação da biodiversidade. Mas, em relação a Vila de Jeri, quanto na prática é arrecadado? E o que exatamente é feito com esse montante? Atualmente, para que o visitante seja autorizado a entrar na Vila, ele tem de pagar uma taxa no valor de R$ 30 reais referente a estadia de até uma semana.
O visitante que ficar por um período menor, por exemplo, também pagará o mesmo valor. Estão isentos da taxa menores de 12 anos, maiores de 60 anos, portadores de deficiência, moradores e trabalhadores da Vila de Jeri. A taxa pode ser paga na entrada da Vila ou pelo site da Prefeitura.
O Diário do Nordeste questionou à Assessoria de Comunicação da Prefeitura, na última terça-feira (23), quanto é arrecado por ano com essas taxas, qual fluxo médio anual de turistas e o que, de fato, é feito com esse montante. No entanto, até a publicação desta matéria, não houve retorno.
A reportagem apurou ainda que, de 2017 a 2019, houve uma crescente exponencial da receita turística. O coeficiente engloba taxas de entrada, gastos com hotelaria, transportes, restaurantes e lazer, dentre outros. Em 2017, a receita foi de R$ 332,93 milhões, como um fluxo turístico estimado em 693 mil pessoas.
No ano seguinte, esse fluxo saltou para cerca de 824 mil, gerando uma receita de R$ 462,4 milhões. Em 2019, novo aumento. O fluxo turístico atingiu a marca de 880 mil pessoas e, a receita, saltou para R$ 599 milhões. Esses valores não correspondem à arrecadação do município, mas aos valores movimentados em toda a cadeia turística. A assessoria não disponibilizou os números atualizados de 2020 e 2021.
INVESTIMENTOS
O geólogo e doutorando em geografia pela Universidade Estadual do Ceará (Uece), Gustavo Gurgel, diz ser a favor da cobrança de taxas "desde que elas sejam plenamente revertidas em investimentos para melhoria e conservação dos locais".
Especificamente no caso de Jeri, o especialista reconhece que após o início da cobrança dos valores, houve avanço em alguns pontos, mas ressalta que ainda há várias outras questões importantes a serem trabalhadas.
"Desde que foi implantada [a taxa], a gente teve uma melhora muito grande na questão do recolhimento dos resíduos sólidos. A fiscalização também avançou, mas falta ainda investimento quanto a manutenção e recuperação de áreas degradadas", alerta.
Na concepção de Gurgel, seriam esses os dois principais gargalos existentes. No entanto, não são os únicos. Gustavo recorda que a Vila carece de um sistema que reduza o excedente hídrico que se perde por entre as vias, assim como demanda de investimentos na educação ambiental.
"Muito se reclama da grande quantidade de água que corre e perde na Vila. Deveria existir investimento para frear esse problema. Outro ponto que chama bastante atenção é inexistência de banheiros públicos. Jericoacoara recebe muitos turistas que vão passar apenas um dia, no chamado bate-e-volta, e esses não contam com infraestrutura adequada", complementa o geólogo.
Sua tese de doutorado estuda a recuperação e manutenção através do manejo ambiental da Duna Pôr do Sol de Jeri, um dos principais cartões-postais do local.
"Recuperar a biodiversidade é o principal ponto. No mundo ideal, essas taxas não deveriam existir e o Estado deveria fornecer recursos para essas preservações. Mas como isso não é possível, as taxas passam a ser importantes. Sou a favor. Elas servem para manutenção e assim devem ser aplicadas", finaliza.
SAIBA QUAL VALOR COBRADO EM CADA DESTINO BRASILEIRO:
- Fernando de Noronha (PE):A Taxa de Preservação Ambiental de Fernando de Noronha (TPA) é obrigatória para todos os turistas, incluindo crianças a partir de 5 anos de idade, que visitam o arquipélago. Ela é cobrada por dia de permanência ao valor de R$ 79,20.
- Ubatuba (São Paulo):A cobrança refere-se a um 'pedágio’ para veículos de outras cidades que circularem pelo Município. O valor varia de R$ 200 para vans a R$ 3 mil para ônibus de turismo com mais de 25 passageiros. A cobrança se deve a degradação e impacto ambiental que a cidade sofre por conta dos veículos que circulam no Município.
- Jalapão (Mateiros – Tocantins):Porta de entrada para quem deseja conhecer o Parque Estadual do Jalapão, o município de Mateiros cobra R$ 20 por dia aos visitantes.
- Morro de São Paulo (Bahia):Visitantes pagam R$ 20 como taxa única de permanência referente a 'Tarifa por Uso do Patrimônio Histórico do Arquipélago', a chamada TUFA. Crianças de até 5 anos e acima de 60 anos estão isentos da taxa.
- Ilhabela (São Paulo):Para carro, a taxa é de R$ 30 e, para vans R$ 50. O único acesso ao arquipélago é por meio de balsas.
- Bombinhas (Santa Catarina):Varia de R$ 3,50 para motocicletas a R$ 148,50 para ônibus. A taxa é cobrada nos meses de alta temporada – 15 de novembro ao dia 15 de abril – com objetivo de reduzir os impactos ao meio ambiente causados neste período.
- Gramado (Rio Grande do Sul): Desde 2015, o Município cobra tarifa sustentável de R$2,55 por dia na rede hoteleira da cidades. Mas, um projeto de lei enviado neste mês de novembro à Câmara de Vereadores propõe a instituição de uma nova tarifa, cujo valor varia de R$ 5 a R$ 80, a depender do porte do veículo.
- *Parques Nacionais: Pelo menos 14 unidades dos Parques Nacional cobram ingressos para entrada, como são os casos do Parques Nacionais da Tijuca (RJ) e do Iguaçu (PR). O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) estima que cada real gasto pelo visitante nas UCs federais gera sete reais em benefícios econômicos para a economia regional. Em 2017, nessas 17 unidades, a receita com as taxas de entrada foi de R$ 55 milhões.
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