Aumento da pobreza gera falta de
acesso a moradia, alimentação, saúde e outros direitos básicos (Foto: Kid
Júnior) |
O Ceará vive dividido por uma
fronteira invisível. De um lado, bilionários; do outro, miseráveis. De um lado,
mansões de portas imensas; do outro, “moradas” sem porta, as ruas. Nesse estado
de desigualdades, 71 municípios (veja mapa clicando aqui) figuram numa lista
indigesta: neles, pelo menos 50% da população é extremamente pobre.
Em 2022, mais de 3,4 milhões de
pessoas integram famílias em situação de extrema pobreza, inseridas no
CadÚnico, do Governo Federal. Isso é mais de um terço de quem vive aqui.
Os dados são do Ministério da
Cidadania, tabulados e cruzados pelo Diário do Nordeste. Para o CadÚnico, vive
em extrema pobreza a família que tem renda mensal per capita de até R$ 105.
Colocando uma lupa sobre as
localidades, Antonina do Norte se
destaca: com uma população estimada de 7.402 pessoas, o município tem 5.317
pessoas em famílias extremamente pobres – ou seja, 71% da população.
Penaforte e Trairi aparecem em seguida, com 68% e 67% da população
inserida em núcleos familiares cadastrados no CadÚnico como “em situação de
extrema pobreza”.
No outro extremo, Horizonte, Juazeiro do Norte e Russas
são as cidades com menor proporção de pobreza: respectivamente, são 18%, 20% e
23% da população vivendo em contexto de vulnerabilidade extrema.
“Pobreza é estrutural"
Vitor Hugo Miro, economista e
coordenador do Laboratório de Estudos da Pobreza (LEP) da Universidade Federal
do Ceará, destaca que a recessão impulsionada pela pandemia foi amenizada por
benefícios como o Auxílio Emergencial, mas com a descontinuidade dele, “a renda
das famílias declinou e os indicadores de pobreza sinalizaram isso”.
O pesquisador aponta ainda que o
desemprego e a expectativa de aumento do valor pago pelo Auxílio Brasil também
deve alavancar a busca das pessoas pelo benefício.
Em 2022, até observamos uma
melhora nos indicadores de mercado de trabalho, mas não da renda. A taxa de
desemprego diminuiu, mas com postos de trabalho que remuneram menos, com menor
índice de formalização. (Vitor Hugo Miro - Economista e professor da UFC)
André Lima Sousa, professor de
Ciências Sociais da Universidade Estadual do Ceará (Uece), avalia que o cenário
de pobreza enfrentado pelo Ceará é “estrutural e histórico”, diante do acúmulo
de riquezas principalmente no interior.
Por outro lado, ele complementa,
“não há um modelo de desenvolvimento que privilegie a descentralização de
riquezas, a ocupação produtiva da população”.
A concentração de renda e da
propriedade fundiária no interior, principalmente, gera essa situação de
empobrecimento generalizado da população, que não tem as condições ou meios de
sobrevivência básicos. (André Lima - Cientista social)
Fome, acesso precário à saúde e
educação e desenvolvimento infantil prejudicado. Esses são alguns dos
principais e mais graves impactos da pobreza estrutural e intergeracional que
avança no Ceará, como avalia Vitor Hugo.
“Não é só a alimentos, essas
famílias mais vulneráveis passam a ter acesso precário a diversos produtos e
serviços, incluindo educação e saúde. Jovens acabam tendo que buscar trabalho
para complementar a renda em casa, têm estudos prejudicados ou acabam
abandonando a escola”, destaca o pesquisador.
Esses efeitos são de difícil
reversão e afetam o desempenho ao longo da vida estudantil, como acessam o
mercado de trabalho e como se relacionam na sociedade. Por isso, políticas com
foco na primeira infância são tão importantes, seja para retirar as famílias da
pobreza ou minimizar os efeitos dela sobre o desenvolvimento das crianças. (Vitor
Hugo Miro - Economista e professor da UFC)
Auxílio Brasil não chega a todos
Em abril deste ano, segundo dados
do CadÚnico disponíveis para consulta pública, mais de 1,3 milhão de famílias
cearenses estavam cadastradas como extremamente pobres”. Delas, pouco mais de
112 mil não tinham acesso ao Auxílio Brasil, antiga Bolsa Família.
Só em Fortaleza, 45.191 famílias
se enfileiram à espera de receber a principal política de transferência de
renda atual. Em Caucaia, na Região Metropolitana, eram 3.936; e Maranguape,
2.533. Municípios menores, como Arneiroz, Senador Sá e Ererê, têm as menores
filas.
André Lima lamenta que “às
famílias que não conseguem acesso ao Programa Auxílio Brasil, só resta
continuar na situação de miséria e fome”, cenário que impacta diversas esferas
da sociedade – como saúde e educação.
“Claro que essa política (PAB)
vem permeada por diversas dimensões: famílias com gestantes precisam fazer
acompanhamento médico para receber o benefício; em famílias com crianças e
jovens, eles devem estar matriculados na escola.”
Para complementar o auxílio federal,
o Governo do Estado, por meio da Secretaria da Proteção Social, Justiça,
Cidadania, Mulheres e Direitos Humanos (SPS), cita 4 "políticas públicas
estaduais voltadas à população em situação de vulnerabilidade:
Vale Gás Social;
Mais Nutrição (doação de alimentos);
Cartão Mais Infância Ceará (transferência de renda);
AvanCE (bolsas estudantis).
(Fonte: DN)
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