Segundo maior colégio eleitoral
do Ceará, Caucaia é administrada, desde 2021, pelo prefeito Vitor Valim (sem
partido) e pelo vice Deuzinho Filho (União). Contudo, ao contrário do início da
gestão, agora os dois são adversários políticos. E devem, inclusive, estar em
lados opostos na eleição municipal de 2024.
Apesar do rompimento não ser
confirmado por nenhum deles, o afastamento político é uma realidade e deve ser
um dos principais elementos da disputa eleitoral na cidade para 2024. Próximo
do Governo do Estado, Valim deve tentar a reeleição, enquanto Deuzinho, ligado
a Capitão Wagner (União), já se coloca como pré-candidato.
A situação, no entanto, não é
exclusiva de Caucaia. Outros municípios cearenses têm, neste ano pré-eleitoral,
um cenário de rompimento político entre prefeito e vice.
Em alguns casos, o distanciamento
ocorreu ainda no início do mandato, com, por exemplo, o descumprimento de
acordos firmados no período de campanha eleitoral ou divergências políticas
quanto aos caminhos da administração municipal. Em outros, o afastamento é mais
recente e antecipa, inclusive, os arranjos e articulações do ano eleitoral.
O impacto dessas rupturas, no
entanto, não fica restrito às movimentações eleitorais. A depender da força política
do vice, a ida dele para a oposição pode tornar difícil a efetivação de
políticas planejadas pelo prefeito, caso o vice tenha influência, por exemplo,
na Câmara Municipal, tornando mais complicadas aprovações de projetos de lei de
autoria do Executivo municipal.
“Isso enfraquece a gestão, porque enfraquece a capacidade de tomada de
decisão, de aprovação de medidas junto ao Legislativo a depender da força do
vice, da posição do vice. E isso tem seus custos, em um regime democrático
principalmente. E isso, consequentemente, gera custos nas eleições
seguintes". MONALISA TORRES-Professora de Teoria Política da Uece
DISPUTA ELEITORAL ENTRE ANTIGOS
ALIADOS
A professora de Teoria Política
da Universidade Estadual do Ceará aponta que, para a disputa eleitoral, o
resultado do "racha" entre prefeito e vice é o aumento da
competitividade nas urnas. "Dado o caráter de fragmentação e de diferentes
forças disputando o eleitorado", justifica Monalisa Torres.
A fragmentação e o aumento de
competitividade que cita a professora ocorre em um contexto no qual a maioria
dos municípios cearenses têm apenas um turno nas eleições municipais – as
exceções são Fortaleza e Caucaia, onde é possível que os dois candidatos mais
votados cheguem ao 2º turno.
Nas outras cidades, no entanto,
quem concorre à prefeitura tem apenas uma chance, a cada pleito, de alcançar o
comando do Executivo municipal.
Esta fragmentação já é vista em Itapipoca, na região Norte do estado. A vice-prefeita Dra. Jocélia explica
que, apesar de ainda não ter iniciado uma movimentação, vem sendo "muito
cobrada" sobre uma possível candidatura à prefeita. Ela mesma admite que é
a "mais provável candidata da oposição" e tem, inclusive, conversado
com ex-prefeitos da cidade sobre a disputa eleitoral de 2024.
O cenário não é tão diferente
daquele enfrentado em 2020, quando ela também esteve na chapa que enfrentou o
então prefeito da cidade, João Barroso. A diferença é que, se for confirmada
como nome de oposição, Jocélia irá enfrentar o antigo companheiro de chapa e
atual prefeito de Itapipoca, Felipe Pinheiro (PT).
O rompimento, segundo a
vice-prefeita, foi uma iniciativa do próprio prefeito. "Pensei que íamos
tomar um café, mas ele disse que tinha tomado uma decisão e que era a nossa
ruptura", relembra.
Após a conversa, em maio de 2022,
as pessoas ligadas a ela na gestão foram desligadas. Apesar de admitir que,
antes disso, houvesse divergências políticas entre ela e o Pinheiro, Dra.
Jocélia afirma que o prefeito não disse o motivo para o rompimento.
Apesar de ter sido eleito vice-prefeito de Acaraú em 2020 junto
com a prefeita Ana Flávia Monteiro (PSB), Mano da Melancia estará na chapa
adversária em 2024. O rompimento com a prefeita e com o deputado federal
Robério Monteiro (PDT) – apontado como o líder do grupo político e com grande
influência sobre as decisões na prefeitura – ocorreu em outubro de 2022, mas os
desgastes vinham de antes.
A principal crítica do vice é
sobre os acordos: "Não se cumpriu nada", reforça. A atuação da
prefeitura também é criticada pelo prefeito, em diferentes áreas do município.
"A educação e saúde estão em caos. (O abastecimento de) Água nas
comunidades, não ajeitou nada", ressalta.
Mano ressalta ainda que, quanto
às alianças, "se a pessoas puder dar trabalho politicamente", acaba
sendo isolada. "Não dá oportunidade".
A falta de trato acabou
impactando também na relação com o Legislativo, onde três vereadores anunciaram
o rompimento com o Executivo municipal. Inclusive, o presidente da Câmara
Municipal, Jarbas Nascimento, e o vice-presidente, Paulo Rocha.
O prefeito de Itapipoca, Felipe Pinheiro, e a
prefeita de Acaraú, Ana Flávia
Monteiro, foram contactados pelo Diário do Nordeste, mas não houve resposta até
a publicação dessa reportagem.
A DIFICULDADE NA MANUTENÇÃO DE
ALIANÇAS
Para Monalisa Torres, os
rompimentos acabam sendo resultado da "lógica organização política do
Brasil". Ela cita o conceito de presidencialismo de coalizão, no qual,
para garantir a governabilidade, o presidente precisa formar alianças com diferentes
partidos – algo que vai desde a chapa montada para concorrer ao pleito até a
distribuição de cargos, caso seja eleito.
"A nível local não é diferente, (embora) aplicada, digamos assim, em um nível de poder menos complexo ou menor", afirma. A necessidade alianças ou coalizões, envolvendo diferentes grupos políticos de cada município, pode acabar resultando em desgastes.
"Não é difícil, não é algo impossível que a acordos que foram
montados pré-eleição possam sofrer distúrbios, possam sofrer desgastes ao longo
das gestões. Sobretudo, quando esses acordos são mais pragmáticos do que
programáticos. Aí, a gente vê rachas acontecendo entre prefeitos e vices".
MONALISA TORRES - Professora de Teoria Política da Uece
Este racha dentro da gestão
municipal se tornou, em algumas cidades cearenses, bem visível para a
população. É o caso de Caucaia,
mencionada no início desta reportagem. Após assumir a Prefeitura do município,
Vitor Valim se aproximou do Governo do Estado – mesmo tendo sido eleito pela
oposição.
Antigo aliado de Capitão Wagner,
Valim chegou a apoiar o nome da ex-governadora Izolda Cela (sem partido) como
candidata à reeleição e esteve no palanque do governador Elmano de Freitas (PT)
– Wagner ficou em segundo lugar na disputa estadual.
Vice-prefeito, Deuzinho
permaneceu na oposição. Em entrevista ao Diário do Nordeste, em março, ele
negou o rompimento e disse que continua despachando normalmente do
gabinete.
Na última quarta-feira (29), no
entanto, apesar de ser vice-prefeito da cidade, ele enviou ofício à Prefeitura
de Caucaia solicitando inspeção nas escolas municipais localizadas na cidade.
Além disso, ele confirmou a pré-candidatura a prefeito de Caucaia.
Em Aracati, o prefeito Bismarck Maia (PDT) e a vice, Denise Menezes
(PT), também romperam. Em junho do ano passado, a crise chegou a gerar uma
troca de acusações entre a vice-prefeita e o secretário da Casa Civil e filho
do prefeito, Guilherme Bismarck.
Em julho, o prefeito disse, ao
Diário do Nordeste, que "os municípios devem lutar por essa união, quando
possível. No caso nosso, não foi possível".
Em pronunciamento recente na
Câmara Municipal de Aracati, Menezes ressaltou que o rompimento se deu quando
começou a "descobrir, a desconfiar que nós tínhamos prioridades
diferentes".
IMPACTO SOBRE A GESTÃO
Conforme noticiado pelo Diário do
Nordeste, dois prefeitos cearenses são investigados pelo Ministério Público do
Ceará (MPCE) após denúncias de afastamento irregular em decorrência de
tratamentos de saúde. A Prefeitura, segundo as denúncias, teriam passado a ser
geridas por pessoas próximas aos prefeitos – não eleitas para a função.
As denúncias são contra o
prefeito de Limoeiro do Norte, José Maria Lucena, e de Tianguá, Luiz Menezes. Nos dois casos, existe um afastamento
político entre prefeito e vice – em caso de pedido de licença, seriam os vices
que assumiriam o comando do Município.
Declarado como oposição à gestão,
o vice-prefeito de Tianguá, Alex Nunes, afirma que não houve divergência com o
prefeito da cidade, Luiz Menezes, mas com a primeira-dama e secretária de
Administração do município, Natália Félix.
"Depois da gente (ser)
reeleito, me tiraram da gestão", afirma. Menezes e Nunes foram eleitos
para o primeiro mandato em 2019, em uma eleição suplementar. A reeleição veio
em 2020. O racha entre prefeito e vice acabou dividindo também o legislativo
municipal – com oito vereadores apoiando a gestão e seis na oposição.
Agora, Nunes afirma que "tem
pretensão política" e tem tentado "unir a oposição" para a
disputa eleitoral de 2024. A Prefeitura de Tianguá foi contactada, mas não
houve resposta sobre o assunto.
Ao contrário do vice de Tianguá,
a vice-prefeita de Limoeiro do Norte,
Dilmara Amaral, não se coloca como oposição à gestão municipal. "Na
realidade, em nenhum momento consegui conversar com ele para que pudesse traçar
uma linha. Eu fui afastada da gestão", reforça.
O afastamento, afirma, ocorreu
ainda no início da gestão, em 2021. "Eu comecei a ter dificuldade de
acesso a ele. Infelizmente, eu entendo que o afastamento não foi nem por ele, foi
pela blindagem que ele sofreu", ressalta.
Tanto ela como o prefeito Zé
Maria participaram de audiências no Ministério Público na última quinta-feira
(30), a respeito da investigação sobre suposto afastamento irregular do
prefeito. O conteúdo das oitivas, no entanto, foi colocado em sigilo pelo MPCE.
"O município precisa do prefeito, que foi quem foi eleito. A população
anseia por uma resposta e não tem", reforça.
O Diário do Nordeste também
entrou em contato com o prefeito Zé Maria Lucena, por meio da assessoria, mas
não houve retorno.
(Fonte: DN/Pontopoder)
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